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Ai, meu Carnaval

Para quem não suporta um só amor na folia.

por Caio Blanco, 12 de fevereiro de 2015
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Eu passei os primeiros anos da minha pré-adolescência — e, depois, adolescência – rebeldes odiando o Carnaval. Era um pacto que havia feito comigo mesmo contra uma alegria despropositada de uma época que fazia calor demais para mim, um jovem que decidiu — propositadamente, dessa vez — odiar qualquer exposição ao Sol. Não do Carnaval e ele tampouco me dava bola. Não sei se essa era uma relação simbiótica, eu o odiar por ele me ignorar.

Pulei verdadeiramente o Carnaval pela primeira vez com vinte e um anos, em Pernambuco, cercado de (bons) amigos da faculdade. Uma escolha amorosa malfadada em uma das ladeiras de Olinda em conjunto com o furto de minha correntinha de ouro, presente de meu falecido avô, porém, minaram as boas lembranças que eu porventura poderia ter coletado dos recifenses.

Descobri verdadeiramente o Carnaval, entretanto, no Rio de Janeiro. Como paulistano nato, dói-me um pouco confessá-lo (Não éramos obrigados a odiar veementemente os cariocas e o Cristo  por algum motivo? Afinal, é só o que eles têm: a vista e o Corcovado). Pois eu nunca me senti mais esbaldado de felicidade do que quando caminhava pelas ruas vestidas de confete da cidade maravilhosa, agarrando-me naqueles quatro dias como o filhinho que se agarra à chupeta e à mamadeira da irmã da Dona Ana. Apaixonei-me, não no Carnaval, mas pelo Carnaval. Foi uma paixão à décima segunda vista, sem muito tesão no começo, mas que me levou às alturas nos meses seguintes à folia. Só de pensar no Carnaval, perdia o fôlego e estristecia-me de saudades. Foi parar onde toda aquela alegria contagiante, as senhoras com penachos nas têmporas, os velhinhos com chapéus de côco branco na cabeça, as menininhas fantasiadas de fadinhas distribuindo beijinhos inocentes ao foliões alcoolizados da passarela, sem saber que nada de inocente se passava na cabeça de ninguém por ali?

O Rio conquistou em mim aquele tipo de paixão louca, de primeiro mês de relacionamento, em que não vemos defeito em nada e ignoramos o sebo discreto nas costas do namorado ou o jeito como ele pronuncia apenas o “n” de todos os gerúndios e olvida-se do “d”: “fazeno”, “comeno”, “andano”, que importa, ele é tão lindo. Greve dos garis? Não lembro de lixo na rua. Xixi nas esquinas? Mas eram tantos os banheiros químicos. Roubos? Ninguém pode roubar-me felicidade.

Fiquei realmente ébrio com os primeiros meses do meu relacionamento com o Carnaval. Sobrevivemos ao primeiro ano e eu o amo e ele me ama. E dessa vez é para sempre, dessa vez é para a vida inteira, diferente do que foi com o Cristiano, aquele infeliz galego que me jurou amor por dois meses consecutivos e nunca mais me respondeu uma mensagem no Whatsapp.

Aliás, encontrei o Cristiano esse final de semana em um bloco carnavalesco na Praça Roosevelt. Ele estava sozinho, mas eu não, eu estava com o Carnaval. Não pude disfarçar. Disse-lhe que fosse catar coquinhos, não sem antes verificar-lhe as duas mãos: estavam com os dez dedinhos gordos e tortos todos íntegros; podia muito bem ter me escrito uma mensagem. “Desculpe-me, Cris, estou fechado para balanço, sou do Carnaval”.

É que o Carnaval não me cobra, dá sem pedir de volta, sabe se fazer presente quando oportuno e depois me dá o espaço necessário para me recuperar das garras de seu amor sufocante.

Esse ano, confesso, andei dando umas escapulidas, como podem bem perceber. É que surgiu, todo faceiro, cheio de energia, esse tal de Carnaval paulistano, com blocos organizados pela cidade, um metrô limpo e vazio, um milhão de taxis à disposição (com taxistas que não perguntam o seu destino antes de lhe permitirem o embarque), sem contar a presença do Estadão, do Ibotirama, de qualquer hamburgueria 24 horas, do temaki e de tantos outros bares de serviço excepcional. Somos amigos de longa data, eu e o Carnaval paulistano, por isso fica até um pouco estranho pensá-lo assim, dessa forma passional. Credo, somos quase irmãos. Quanto tédio já me gerou e decepção me causou. Mas anda tão mudado, feito aquele moço do trabalho que começou a fazer academia há dois meses e de repente você reparou que ele tem olhos azuis.

Fui muito feliz esse último sábado pré-Carnaval aqui nos braços paulistanos. Foi uma fraqueza, admito. Depois de doze horas do mais puro e irracional amor, voltei com a minha trupe para meu apartamento na Bela Vista, charmosa demais, quase um Leblon — essa mania doida dos amantes em justificar a traição. Pedimos uma pizza em uma das quatro pizzarias existentes em um raio de menos de cinquenta metros do meu apartamento.

“Fica pronto em vinte minutos, Dona Adriana. Mando levar?” – perguntaram à minha amiga ao telefone.

“Não, vamos buscar.”

Vinte minutos depois caminhamos até o destino pizzaiolo.

“Dona Adriana, né? Está pronta já. É no crédito ou débito?”

“Divide a conta em três. Dois no débito, o meu no crédito, mas antes tira essa parte aqui em dinheiro.”.

Meia calabresa sem cebola, meia portuguesa com muita cebola, meia peperonni com catupiry e não mussarela e meia catupiry com frango. Uma com borda só de gergelim, outra com borda recheada. Tudo perfeito, nenhum erro. Ah, novinha, assim você me mata, caprichosa desse jeito, quem é que resiste a essa sua eficiência, minha São Paulo?

Não conta nada pro Rio. Se você não contar, eu prometo não contar também. Vou te confessar, tô começando a gostar de você, mas ninguém pode saber. Fosse você a São Paulo dos velhos tempos, não duvidava que mandava trazer a praia aqui pra perto só pra fazer um Carnaval melhor que o Rio. Mas agora, minha São Paulo, tão sem água que não enche nem uma caixa d’água, quem dirá um mar inteiro. Não preocupa, te gosto mesmo assim. Você é a razão do racionamento do meu coração, meu amorzinho.

Não liga não, tem lugar para os dois aqui dentro do meu peito. Não precisa ser um caso. Vamos fazer disso uma relação aberta, bem moderna, feito você e a sua Rua Augusta, cheio do amor livre. O Rio se acostuma, só na malandragem. E vou dizer, sou muito mais você, minha São Paulo, o Rio é só aquela coisa, né? A vista e o Corcovado.

Esse feriado? Bom, esse feriado eu vou pro Rio. Mas eu volto, meu amor, fica tranquila que eu volto. Se tudo vai acabar em cinzas mesmo, como o previsto para essa sua secura — de terra e de alma — na quarta-feira eu tô de volta.

Caio Blanco

Caio Blanco, 24 quase 25, só sabe existir em crise. Tem asma, mas fuma. Pouco, mas fuma.

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