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Entre ventres, entremuros

No meio que lhe diz respeito, se esconde, se perde e não se pode raiar.

por Flavio Lobo, 6 de agosto de 2020

 

 

Desperta entremuros, os olhos fechados permanecem. Muros à prova de maremotos, erguidos através dos escombros. Não há nada que possa entreter e deter, quando a madruga afunda, queira ou não há aurora, ela emerge, urgente. A madrugada sempre avança, representando essa mudança, entremuros desperta mas não se pode raiar. Em um pequeno raio, em tocaia nunca se raia. A tocaia permanente é incoerente, dessincronizada com a mudança. Entremuros se balança, longe do tempo que dita a dança.

Quanto mais ela carrega, mais de perto se alcança. Quando você dá a mão… Ela arrasta, arrasta mas no fundo parece que nega, nega em silêncio. Finge que vai mas não, balança mas não vai. Um balanço: Avanço, recuo. Chacoalha, vacila, chacoalha e como se fosse a própria maré, que não é, brinca, entreolha, faz de conta, ouve o murmúrio da concha e nos braços dela se entrega. Resiste mas desapega. Quando resolve se permitir, se deixa levar e ouve seu sussurro das entranhas… O tempo todo se mantém impermanente, avança conforme o fôlego, entre equilíbrio, entre trôpego.

Ao fundo, ela teima em aparecer. E permanecer, diz que é essencial. Ao fundo da dança a música, crucial, mas entre as pessoas, também entre elas no fundo há o silêncio, onde foi gerada a música, o início feito concepção, o grão. Dentro do ventre, entremuros, se esconde e se perde no meio que lhe diz respeito, onde se é obrigado a se isolar, não se é permitido raiar.

A janela do quarto entreaberta pela manhã, a faixa cheia estampa de luz a colcha azul sobre a cama do casal. Iluminado quarto, todos os dias o faixo de luz no mesmo ângulo, sempre no mesmo horário. Ele encobre a coberta, engole a seco a cama, do casal é o que resta, uma réstia que ali não passa batida, ela sempre chega como se já estivesse de partida.

 

Doble portrair (Lucien Freud, 1986, óleo sobre tela)

Double portrait (Lucian Freud, 1986, óleo sobre tela)

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