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Eu não vejo a hora de ficar velhinho

Para diluir todas as dúvidas que temos no pouco tempo que temos.

por Caio Blanco, 2 de dezembro de 2015

Eu não vejo a hora de ficar velhinho. Bem velhinho mesmo. Daqueles velhinhos que todos pensarão ser bastante sábio, mesmo que eu venha a ter um cérebro feito de abacate. Mas eu terei tantas rugas em meu rosto dócil e um olhar tão falsamente profundo que será impossível a qualquer um pensar que sou qualquer coisa que não um velho genial.

Eu não vejo a hora de jogar dominó na praça sábado na hora do almoço, tirar uma soneca de três horas durante a tarde, acordar para o lanche vespertino e frequentar o bailinho da saudade à noitinha, podendo me doar ao privilégio de estar de volta na cama antes das onze, muito bem, obrigado. Tomarei sopa e beberei suco de melancia (que é o meu favorito) em todas as ocasiões de minhas refeições e noitadas para nunca mais sofrer de horrorosas dores de cabeça por culpa da ressaca.

Eu não vejo a hora de poder usar roupão de algodão macio para ler meu jornal durante meu chá com bolachas enquanto, ao lado de minha poltrona de leitura, repousa minha cadela que se chamará “Madame”; e ela, a espelho e imagem de meu doce perfil, será quietinha e obediente, mais por conta de minha educação do que de sua castração.

Eu mal consigo conter meu encantamento com a possibilidade de poder usar Crocs sem ser rodeado por olhares de julgamento. Afinal de contas, Crocs são perfeitos para velhos e para crianças. São antiderrapantes e com segurança não se brinca. Terei três pares de cores diferentes e um deles conterá broches do Mickey trazidos pelos meus netos de sua última visita à Disney Lunar (eu serei um velho casado – e, com sorte, não viúvo -, avô feliz de sete netinhos).

Mal posso esperar para poder recusar com propriedade aquela balada cara e chata de sexta ou sábado de madrugada. Não precisarei beber mais gim com tônica de segunda-feira para justificar a minha insegurança e finalmente estarei liberto dos cremes anti-rugas porque, veja, eles não farão qualquer diferença em meu rosto.

Eu nunca mais vou ter que flertar na vida, ou iniciar um papo no balcão de um bar, ou ter que forçar meus olhos míopes em uma festa escura para tentar distinguir se o menino do outro canto está paquerando a mim ou a minha amiga; ou, ainda, me sentir socialmente inaceitável durante um primeiro encontro. Primeiros encontros: eu tenho certeza que, no inferno, eles usam primeiros encontros como forma de tortura, ao lado das chibatadas escaldantes.

Por certo, como estarei casado há quarenta anos, não mais me preocuparei com meu corpo e a consequência agradabilíssima desse fato é que jamais terei que colocar meus pés vestidos de Crocs em uma academia novamente e a palavra “máquina flexora de peitoral” não fará qualquer sentido para mim. Não vou ter mais Tinder e nunca mais vou passar por aqueles dois micro-segundos de dúvida e insegurança internas em que me perguntarei se aquele menino é bonito demais para mim, então, sei lá, melhor passar a foto para a esquerda para não perder tempo. Provavelmente não terei nem mais celular, que benção! Não irei lembrar de mais nenhum aniversário e jamais terei que ligar para alguém e desejar saúde, dinheiro e paz porque ela merece tudo isso e muito mais. Vou ter desculpa, finalmente, para não entender absolutamente nada de tecnologia sem me sentir o ponto fora da curva da pretensão e não vou nem querer que meu neto explique-me como é que funciona a teleconferência por holograma do seu IPhone 84.

Eu não serei mais ansioso – pois não terei mais muito tempo especulativo, de qualquer forma – e vou poder finalmente jogar todos meus ansiolíticos pela privada. Eu não vou mais sofrer com a iminência do fracasso da minha vida profissional porque, a essa altura do campeonato, eu já vou ter sucedido ou falhado o suficiente para não dar mais importância a nenhuma das duas atividades.

Eu não gastarei mais dinheiro com roupas caras e, ao invés de focar todos os meus esforços em manter meus cabelos arrumados (duvido que eles durem mais cinquenta anos), vou redirecionar essa energia para aguar as minhas plantinhas e dedicar-me à aquarela, que é algo que sempre quis saber fazer, mas que tenho pouco (quase nenhum) talento para.

Adeus, bares desesperados por preencher o vazio tedioso da modernidade de minha geração; até nunca mais, cervejas exageradas para esquecer a incompetência de como se viver a vida; até mais ver, sexo sem compromisso para preencher a carência inerente colada na alma de todo mundo que nasceu pós-1988; tchau, quatro empregos em dez meses; adeus, insegurança com a beleza; adeus, necessidade de aceitação; adeus, relações de interesse; adeus, redes sociais, fotos no Instagram, publicações do Facebook.

Eu nunca mais pagarei trinta e cinco reais em um drink, nunca mais vou ter que fazer treze poses diferentes na frente da câmera do meu celular para a selfie perfeita, nunca mais vou ter que postar indiretas para um ex-namorado e esperar três dias até perceber que ele sequer leu essa indireta, nunca mais vou ter que ir a um aniversário em um bar da Augusta por obrigação, jamais digitarei as palavras “e aí, a fim do quê?” novamente, jamais me digladiarei no bar de uma festa lotada de gente, nunca mais pegarei uma fila na calçada para entrar em algum lugar que, provavelmente, não quero entrar e, principalmente, eu vou parar de me duvidar tanto assim porque, no fim do dia, qualquer pessoa que conseguiu sobreviver tanto tempo assim no meio desse mundo que a gente vive hoje, só pode ser alguém realmente impressionante e eu devo ser sim bastante impressionante.

Eu não vejo a hora de ficar bem velhinho, para ver se eu desperto para a verdade do mundo, jogo fora essa crise dos vinte e poucos (muitos) anos e começo a viver a vida como ela deve ser vivida.

Não vejo a hora de ser velho para poder curar todas as dúvidas que talvez não tenham cura, mas que quem sabe com a velhice venham a ser menos inquietantes. Não vejo a hora de ser velho para poder, finalmente, ter um olhar parcimonioso sobre mim mesmo, talvez mais imparcial, menos pedante, sem se cobrar muito – talvez só um pouco -, mas um olhar mais gentil.

Não vejo a hora de ficar velho para ver se viro avô de mim mesmo, se me permito umas lambanças, uns mimos de vez em quando, se não me julgo tanto; para ver se não me maltrato, para ver se eu me amo assim como os avós amam seus netinhos, sem rusgas e sem preconceitos, somente sendo doces e sábios, e permitindo doces e parando com essa mania de cobrar e cobrar e cobrar porque, vai ver, eu seja mesmo perfeito; perfeito do jeito que meus avós me viam, perfeito como todos são, mas não enxergam, perfeito do jeito que eu quero me ver, assim, um dia, quando eu ficar bem velhinho.

Old Couple

Caio Blanco

Caio Blanco, 24 quase 25, só sabe existir em crise. Tem asma, mas fuma. Pouco, mas fuma.

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