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Fritz, o mestre chimarrão

por Adolfo Caboclo, 14 de maio de 2014
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O clima começava a esfriar, peguei um casaco pesado e me dei conta de que era o meu último dia na capital do Rio Grande do Sul. Havia chegado a hora de abandonar um pouco a minha programação de “viajante” e cumprir as minhas obrigações “turísticas”. Por isso, me dirigi para a churrascaria mais mainstream da cidade.

O Galpão Crioulo é um prato cheio pra quem quer “brincar de ser gaúcho”. Um restaurante com um buffet pobre e uma churrasqueira “preciosa”, onde sua estrela principal parecia seu o entrecot. Nada que atraia a atenção de um vegetariano frustrado com a falta de grãos na casa. Mais interessante era o palco da churrascaria, local em que o estabelecimento exercia todo o seu potencial turístico. Por lá artistas “saracuteavam” danças típicas e performances com roupas locais — um verdadeiro “ode aos pampas”.

Enquanto eu saia do Galpão, não escondia o incomodo de ter absorvido inúmeros símbolos sulistas e, ainda sim, não ter experimentado um único gole de chimarrão, pois a bebida não é oferecida em bares e cafés . Para apreciar o “drink” mais famoso do sul é preciso “investir” em uma bomba, uma cunha e um pouco de erva. Foi saindo do Galpão que eu perguntei sobre um lugar pra comprar o meu “kit chimarrão” e aí o gerente da casa falou: “chama o Fritz”.

Sim, ele estava lá no Galpão. Sorte a minha! Assim que ele chegou tive um papo que, confesso, foi um dos momentos mais agradáveis da minha viagem. O Mestre, que exerce sua profissão desde 1985, me contou um breve resumo de sua carreira que conta com inúmeras participações em eventos e até mesmo uma aparição no programa do Jô Soares.

Não demorou muito para eu entender o que fez Fritz virar um mestre. Ele trabalhou muitos anos na indústria de erva-mate, o que o possibilitou entender os muitos tipos de erva e formas de preparar o chimarrão. Ele explicou que por volta de 1982 começaram a chegar ervas importadas para o Brasil, essa também foi uma época em que muitas feiras e congressos começaram a acontecer sobre o assunto. Foi muito interessante escutar o nome das várias formas de cuias, muitas com apelo erótico. “Tem uma cuia famosa chamada ‘resto de boate’, outra que se chama ‘consolo de sogra’, ‘início de viuvez’, ‘lasca de fora’, e se faz o chimarrão de vários tipos. Tem o ‘formigueiro’, o ‘caminhoneiro’, o ‘chimarrão mexido’, tem o ‘chimarrão com prego’, aí eu comecei a entender essas coisas e montar cuias”, comentou meu entrevistado.

Fritz me contava sua história ao mesmo tempo em que seu bigode grisalho pousava por várias vezes na bomba do chimarrão. Sua pele bem clara indicava o fato dele ser natural de uma região alemã chamada Marques de Souza. Inclusive, sua descendência alemã causou estranheza de alguns, que sempre associaram o chimarrão como uma prática exclusivamente gaúcha.

O mestre me confidenciou que já foi para 28 países falar de sua erva, e também me ensinou um pouco sobre os melhores mates. “Do sul, a melhor (erva) é a da serra gaúcha, depois vem do Paraná, que é um dos maiores produtores e um dos que tem a melhor qualidade de erva-mate, além de Santa Catarina, que produz também”.

O mate é algo tão nativo do sul, que veio dos índios. Claro, cada erva tem o seu gosto específico, afinal de contas, o sul é enorme e possuidor de vários tipos de erva-mate, mas como o próprio Fritz fala, “não me importa qual, bebo tudo”.

Fato é que depois da minha entrevista com o Fritz, eu comprei a minha cuia, bomba e erva. Estou viciado em chimarrão. É uma bebida rica em cafeína, além de ser diurética, dizem que faz emagrecer bastante, derrubando a teoria daquela letra do Robertão onde tudo que ele gosta é “ilegal, imoral ou engorda”. Pra finalizar, vou colocar abaixo os dez mandamentos do gaúcho sobre o ritual de beber chimarrão. Enquanto vocês leem, vou lá tirar a água que coloquei no fogo, porque a minha cuia já tá pronta aqui do lado.

(Favor ler em sotaque gaúcho)

1 – NÃO PEÇAS AÇÚCAR NO MATE
2 – NÃO DIGAS QUE O CHIMARRÃO É ANTI-HIGIÊNICO
3 – NÃO DIGAS QUE O MATE ESTÁ QUENTE DEMAIS
4 – NÃO DEIXES UM MATE PELA METADE
5 – NÃO TE ENVERGONHES DO “RONCO” NO FIM DO MATE
6 – NÃO MEXAS NA BOMBA
7 – NÃO ALTERE A ORDEM EM QUE O MATE É SERVIDO
8 – NÃO CONDENES O DONO DA CASA POR TOMAR O PRIMEIRO MATE
9 – NÃO DURMAS COM A CUIA NA MÃO
10 – NÃO DIGAS QUE O CHIMARRÃO DÁ CÂNCER NA GARGANTA

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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