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O desfile

Uma crônica carnavalesca vivida no Anhembi

por Thais Lopes, 18 de novembro de 2014
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Muito tempo antes de entender o que era “samba”, eu ouvia aquela música. Sem saber, ou sem querer saber, era só aquela música. Por incrível que pareça nunca me importou de quem era, de quando era, porque era. Apenas era. E era grande, me encantava. Na minha cabeça, nunca teria a oportunidade de escutá-la em alto volume, com outras pessoas cantando e se emocionando junto comigo. Nunca entendi sua importância para o samba nacional e muito menos que ela era venerada por sambistas de todas as partes do país. Não sabia de onde vinha. Quem havia sido o “artista genial”. Mas descobri.

Hoje eu encho o peito para falar que “ouço samba”, que entendo o gênero. Mas talvez ainda não entendesse o suficiente até aquele dia. A Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo proporcionou a mim um momento que nunca irei esquecer. Dia 11 de junho, última quarta-feira. Estava eu lá, no evento realizado pela organização para mostrar o carnaval paulista para os diversos olhares curiosos (e estrangeiros) atraídos pela Copa do Mundo.

Como já estava acostumada com eventos de samba devido ao meu trabalho, não estava esperando tanto da festa – e muito menos que ela me surpreendesse como fez. Por volta das 22h da noite, depois que a festa já estava pra lá de animada, com diversas pessoas de todas as Escolas de Samba ironicamente bebendo e comemorando juntas, teve início uma das coisas mais bonitas que já presenciei.

Enquanto a muvuca, a bebedeira, os amigos estavam no meio da “avenida” (como eles chamam a passarela do Anhembi), o setor da “concentração” começava a se povoar: a ala da bateria de diversas agremiações estava se juntando e afinando seus batuques. Carros alegóricos, emprestados por algumas Escolas justamente para aquele momento estavam posicionados. Velha Guarda, presidentes, rainhas e princesas, tudo junto e misturado em um único espaço, em um único som. Por incrível que pareça, a surpresa não foi só minha.

O Hino do Brasil foi entoado, embalado por todas aquelas batucadas, tão diferentes e tão semelhantes. Isso porque eu nem de longe imaginava o que viria em seguida. Os batuques eram tantos e tão altos, que decidi me concentrar naquilo e esquecer o resto. Como era possível? Todos aqueles surdos, caixas, pandeiros cantando em uma só voz? Já estava emocionada quando ouvi as primeiras notas daquela música. Sim, aquela que eu achava que nunca ia escutar em alto volume. “Vejam…esta maravilha de cenário…” e eu não podia acreditar! Corri para ver o que estava fazendo as pessoas se moverem e para meu encanto, iniciou-se um desfile.

Um desfile incomum. Não havia comissão de frente, eram pouquíssimos carros, as fantasias não haviam fantasias luxuosas como nos dias de carnaval. Mas ainda assim, o som daquela(s) bateria(s) em ornamento com aquela letra me deixou extasiada. Corri para acompanhar o desfile e me deparei com uma “ala” preenchida apenas por casais de Mestre-Sala e Porta-Bandeira. Olhei para cima e vi no carro alegórico a Velha Guarda, misturada com alguns presidentes de Escolas cantando, dançando, rezando aquela música que eu tanto amava – e achava que só eu amava. E eu cantava tanto, tão “esguelada” que lá de cima do carro alguém jogou para mim uma flor branca. E sim, eu a guardo até hoje.

Foi só olhar para aquela “maravilha de cenário” que minha cabeça se transformou em uma linha do tempo. Viajei não só pelo Brasil, como sugeria a música; viajei para o passado… Pensei em quem a escreveu, pensei nos primeiros Mestres-Sala e Porta-Bandeiras, pensei nos primeiros presidentes, nos pioneiros, quando as Escolas nem eram chamadas assim. Nas primeiras batucadas consideradas samba. Me lembrei de coisas que não vivi e senti nostalgia disso. Chorei. Pois é… chorei não sei do quê. Emoção de estar ali? Ou tristeza pois eu chorava sozinha?

Então me toquei que “as pessoas precisavam ver isso!”. Olhei em volta e só vi os mesmos rostos conhecidos de sempre. Os sambistas. Como podia? Todo mundo tinha que ver aquilo! O Brasil tinha que ver! O mundo! Estavam cantando “Aquarela do Brasil” e eu precisava dividir o que sentia com alguém. Não havia nem 500 pessoas assistindo. E a maioria via mas não enxergava — e ainda dizia que estava “pobre”, que “não estava bonito”.

Naquele momento eu desejei com todas as minhas forças que as pessoas entendessem como aquilo era raro e único. Além de unir todas as Escolas que fazem o carnaval paulistano existir, cantavam juntos um dos sambas mais belos já escritos. Mas claro que era mais que isso… muito mais. Era identidade, era história, raiz, descendência, nacionalidade, reconhecimento, agradecimento, tempo. Tudo traduzido em música, em batuque, em presente. E ao mesmo tempo que era a coisa mais linda que eu já havia visto, era também a mais triste. Eu sabia que o Brasil não estava vendo aquilo. Mas eu queria que estivesse…  ah, como queria.

Tendo passado tudo isso, eu apenas consigo agradecer por aquele momento. Não sei se agradeço ao Império Serrano por ter feito aquela música, às diversas pessoas que estavam fazendo aquilo acontecer, às raízes do nosso passado por serem responsáveis indiretamente por aquele momento, ou ao destino, que me fez estar lá, exatamente naquela hora, ouvindo exatamente aquela música. Espero um dia conseguir explicar isso a alguém. Eu vi o passado, o presente e o futuro cantando juntos. E era a minha música favorita.

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Thaís Lopes

Thaís tem 19 anos, é paulistana, estudante de jornalismo e curiosa de nascença; apaixonada por cinema, fotografia, tatuagem, sebos e… gatos. Trabalha como fotógrafa, produtora e jornalista no meio do carnaval (e aprendeu a gostar de samba desde então). Também trabalha para a "432 - Produções Visuais" como a melhor "pau pra toda obra" que existe. Mesmo sonhando em conhecer o mundo, ama a cidade de São Paulo e todas as pautas e quadros que ela oferece.

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