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O maracatu que colore os sábados de São Paulo

por Estela Marcondes, 6 de janeiro de 2014
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O ano de 2013 passou tão rápido que me pareceu que quando o coelho da Páscoa saiu sorrateiramente para entregar seus ovos de chocolate, o Papai Noel — querendo evitar a fadiga — já saiu junto e aproveitou a carona. As folhas do calendário e da agenda acabaram em um piscar de olhos e, agora, mais um ano se inicia. Se eu pudesse resumir tudo o que desejo para os que leem o NSG em uma palavra, esta palavra seria MARACATU. Isto, para mim, significa aprendizado, música, dança, cores, contato com o outro e com você mesmo e alegria.

Ao ouvir a palavra você, imediatamente, pensa no nordeste brasileiro? Se sim, você está correto. Se não, também. Pois saiba que, apesar de ser um ritmo tradicionalmente nordestino (com raízes fortes especialmente em Pernambuco), São Paulo possui um dos mais incríveis grupos de maracatu do Brasil: o Maracatu Bloco de Pedra. E, claro, seu “filho” muito especial: o Projeto Calo na Mão.

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Bem pertinho do metrô Sumaré, na zona oeste da cidade, o grupo reúne-se na Escola Professor A. Alves Cruz para aulas gratuitas da história e da cultura que envolvem o maracatu e aulas de confecção de instrumentos musicais típicos, de restauração e de cuidado dos mesmos. A parte mais divertida é que, após as aulas, o ensaio é aberto. Ou melhor: MUITO aberto. Não apenas para a plateia assistir, mas para todos dançarem, cantarem e até mesmo arriscarem a tocar os instrumentos. No vocabulário “maracatês”, o ensaio é aberto para que todos se sintam “brincantes”.

Às 15h do sábado, até às 17h, quem se aproxima da região se move quase que hipnotizado pelo som deliciosamente ritmado das alfaias e de tantos outros instrumentos para a quadra da escola, que chega a receber 600 pessoas a cada ensaio aberto. Prato cheio para os estrangeiros, que frequentemente estão presentes na arquibancada do pátio e observam — e até ensaiam uns molejos —, munidos de protetor solar FP 50 e máquina fotográfica em mãos, parte das riquezas brasileiras.

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O Guga Silviano, coordenador e professor do Calo na Mão e do Grupo Maracatu Bloco de Pedra, falou com o Não Só o Gato para saciar as curiosidades de vocês que nos leem. Mas já fica a dica: mate a curiosidade do corpo também e reserve uma (ou muitas) tarde(s) de sábado para conhecer e sentir de perto este projeto que compõe aquele rol de coisas que fazem São Paulo valer a pena.

NSG: O Projeto é como um hobby ou você se dedica em tempo integral? Por que e como você entrou nessa?

GUGA: Me dedico a tempo integral, principalmente porque a demanda é incessante, mas tenho uma relação altruísta, portanto posso considerar como um hobby. Tenho meu trabalho, de onde tiro meu sustento, sou designer gráfico e trabalho na área. É uma brincadeira séria. Entrei nessa por afinidade às atividades e sua proposta, por ser um local imersivo de acesso gratuito à cultura e por promover a sociabilidade de seus participantes.

Nsg: Quem participa e quem pode participar?

GUGA: Todos podem participar das atividades do Calo na Mão, não há restrições, o acesso é livre, aberto, irrestrito e gratuito a todas as atividades. O acesso ao grupo Bloco de Pedra é consequência da relação com os cursos do Calo na Mão, ou seja, para se tornar um integrante do Bloco de Pedra, os brincantes precisam se formar no Curso de Introdução ao Maracatu do Calo na Mão. Participam crianças de todas as idades.

NSG: Vocês têm patrocínio? Quem financia?

GUGA: Não temos patrocínio e tão pouco cobramos qualquer valor dos alunos. Atualmente, nossa captação de recursos se dá através da realização de apresentações em eventos culturais, os quais custeiam o cachê do grupo, 100% destinado à manutenção do Calo na Mão e Bloco de Pedra. Em um passado recente, tivemos o fomento dos editais VAI, da Secretaria de Cultural do Município de São Paulo e o edital ProAc, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Em Outubro de 2013, o Calo na Mão foi contemplado pelo Prêmio Itaú-Unicef, consagrando o empenho e qualidade na oferta ao acesso gratuito a cultura popular brasileira. Em 2008, o Calo na Mão já havia recebido o Sêlo Cultura Viva, do Ministério da Cultura, que também atesta a legitimidade deste conjunto de atividades como representantes da cultura brasileira.

NSG: Como o nome foi escolhido?

Guga: Os nomes Calo na Mão e Bloco de Pedra foram escolhidos em momentos diferentes, porém sob o mesmo formato, onde os alunos participantes e demais organizadores exercitaram-se em busca de um nome que representasse a proposta e o âmago da iniciativa cultural ou do grupo de maracatu. Por fim, em votação democrática frente a algumas outras opções, definiram-se estes nomes. O nome “Calo na Mão” faz referência à proposta das atividades, onde os alunos aprendem a construir as alfaias (tambores típicos) e depois a toca-las, contemplando totalmente o processo de aprendizado, onde se obtém conhecimento desde o preparo da matéria prima, a qual se transforma em um instrumento, até a toca-lo, pronto depois de muito trabalho. Este processo gera calos nas mãos, que representam não apenas o esforço físico aplicado na luthieria ou na percussão, mas sim todo o conhecimento agregado ao longo deste processo.

O nome “Bloco de Pedra” faz referencia a um grupo de maracatu que possui o formato musical de ‘bloco’ em São Paulo, a ‘selva de pedra’. O maracatu que é uma cultura tradicional pernambucana, se difundiu para o Brasil e para o mundo em meados dos anos 90, pegando carona em outro movimento cultural, o MangueBeach. Esse movimento cultural colocou uma lupa sobre a cultura regional pernambucana, impulsionando seus folguedos. Apenas a partir daí que a cultura do maracatu veio a São Paulo ou outras regiões. Ou seja, a relação com essa cultura por parte dos grupos, como o Bloco de Pedra, é ainda muito recente e contemporânea. Desta forma, “Bloco de Pedra” significa a relevância da difusão do Maracatu pelo Brasil, neste caso, estabelecido em São Paulo através deste grupo, que agora também representa toda sua tradição.

NSG: Alguma curiosidade que você gostaria de compartilhar ou algo a mais a dizer?

Guga: O maracatu é muito impactante e chama a atenção de todos. Ainda é uma cultura que está em difusão, tendo um público maior a cada dia. É mais um exemplo de cultura popular brasileira que possui um vínculo religioso intenso e uma relação com a história do Brasil, principalmente dos negros que viviam em estado de escravidão em Pernambuco, nos tempos do Brasil colonial. Hoje, essa cultura perseverou e se mantém à disposição do povo brasileiro, que aparentemente se desperta e se interessa por aquilo que é seu próprio, sua cultura. Esse movimento não acontece apenas em São Paulo no Calo na Mão ou no Bloco de Pedra, mas também em todos os cantos do país, assim como em muitas comunidades de brasileiros no exterior.

Que o tempo seja generoso com essa cultura popular, que sua essência permaneça intocada, mesmo essa sendo uma cultura viva e que está em constante transformação.

Oxalá, Guga! E bom ano a todos!

Para saber mais: http://blocodepedra.maracatu.org.br/projeto-calo-na-mao/

Fotos por Estela Marcondes

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Estela Marcondes

Estela Marcondes é Terapeuta Ocupacional, acompanhante terapêutica e encantada pelas "linguagens" do mundo, além da verbal. Algumas vezes pensa que a palavra foi inventada por alguém que estava com preguiça de usar os outros sentidos para dizer como se sentia. Adora LIBRAS, dança, trabalhos manuais, música, observar demonstrações explícitas de carinho e elefantes!

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