O “neociganismo” de Denny & Don
Fomos conferir a cultuada festa Venga Venga! e conversamos com seus idealizadores.
Eu era uns dez anos mais moço, quando aquela figura de bandana vermelha com colares e dentes dourados me abordou no Largo da Carioca. Não sei por qual motivo, naquela hora parei e estendi minha mão — possivelmente não estava muito animado para chegar ao meu destino. Sei que essa figura era uma senhora que começou a dedilhar minha palma e falar sobre o caminho que minha vida teria. Essa foi a minha primeira experiência cigana depois de ter escutado o vinil do Gipsy Kings, da senhora minha mãe, aos 9 anos de idade. Nessa época também tinha a novela Explode Coração, mas minha pouca idade na época me impede de lembrar detalhes do cigano Igor e de Dara.
Recentemente também li um estudo que fala que a Esmeralda, personagem cigana da Disney da animação do Corcunda de Notre Dame, é uma das “princesas” que menos rendeu dólares para a empresa. E é isso: por aqui acabava todo o meu repertório sobre a cultura cigana.
Então, nesse último final de semana ocorreu uma “parada” cósmica que sempre acontece nessa minha existência: quando os livros e as mídias não me apresentam algo do mundo — nesse caso o mundo cigano –, os deuses da boêmia me fazem questão de apresentar informações em forma de noitada.
E foi numa dessas noites, bem peculiares, que eu fui conhecer a festa cigana mais cultuada da cidade, o Venga Venga! — idealizada pelos DJs Denny & Don –, na edição do “Ritual Tribal dos Cara Pintadas”.
Minha jornada começou em uma antiga estação de trem na Mooca. A estação, com uma carinha de início do século passada, é cheia de detalhes em madeira e ferro, e foi entre esses detalhes que os meus olhos arregalaram ao perceber que vinha uma maria fumaça, isso mesmo, uma maria fumaça para nos levar ao local onde seria o evento. Foi nesse trem que vi um fotógrafo e perguntei, “você que é o Guilherme Castoldi, certo? O fotógrafo oficial do evento. Precisarei muito que você me ’empreste’ algumas de suas fotos para um post que farei”. Assim que ele aceitou minha proposta, passei a ter 50% dos meus problemas resolvidos, porque, como vocês verão, o visual da festa cigana que me esperava era simplesmente do caralho!
Logo quando desembarquei do trem encontrei um lugar com bastante mato, instalações antigas e pessoas com turbantes, barbas e caras pintadas.
Vi o Denny, um dos idealizadores, e com a maior cara de pau do mundo pedi para ele me dar uma entrevista. Ele me disse que iria apenas se arrumar e que depois, junto com o seu parceiro “cigano” idealizador, o Don, iria falar comigo. Por isso, não acho que eu deva contar tudo que eu vi na festa: não teria como explicar a sensação de ver vagões antigos abandonados recebendo projeções gráficas incríveis; seria impossível descrever a sensação de estar debaixo de um viaduto todo grafitado e no meio da festa descerem acrobatas em panos circenses; não consigo descrever aquela atmosfera onde o corpo é tratado como arte e rodopia no meio de músicas dos Bálcãs, Oriente, Espanha e infinitos outros lugares que o evento explorou esteticamente. O que eu posso mostrar aqui é a entrevista com os apaixonantes Denny & Don e claro, o ensaio que esse evento rendeu ao Guilherme Castoldi.
Não Só o Gato: Primeiramente, gostaria de expor como tudo aqui é muito novo e incrível aos meus olhos. Como foi o início dessa jornada?
Don: A gente começou com um projeto musical. Nós dois já trabalhávamos com música, como DJ, e tínhamos muitas pesquisas que queríamos dar vasão. Tínhamos uma influência muito forte da música cigana, da música étnica. Era uma coisa que a gente encontrou e tinha que explorar.
Não tinha nenhuma festa com espaço para esse tipo de música e então resolvemos criar isso. E ela começou há dois anos, em um bar lá na Vila Madalena. Passamos a realizar mensalmente a festa, começamos timidamente. Colocamos elementos, aí contou com o visual, com as maquiagens. A gente centraliza todo o conceito: como direcionar, tudo isso. Não só criando e produzindo as festas, mas também com as performances. Com a música em si. Temos até uma turnê chamada Giramundo.
Denny: A gente abriu a turnê (Giramundo) na Turquia, tocamos em Istambul. Tocamos em uma praia no Mar Negro. Tocamos em Barcelona, no dia de São João, que é uma data linda, onde a cidade está toda em festa. Depois voltamos pro Brasil e começamos a fazer o interior de São Paulo que é uma coisa super interessante. Tivemos no centro-oeste e iremos fazer Salvador.
NSG: Aí que eu queria chegar. Vocês são de um movimento extremamente alternativo e vão participar em 2015 do Festival de Verão de Salvador, que é um público mainstream. Como está sendo isso?
Don: O Tom Zé vai abrir a gente. Ele é uma referência e vai ser uma honra podermos aparecer em um meio mainstream. A ideia é unir tudo que a gente propõe pra criar essa visualidade toda. Artistas, uma coisa multimídia, performática, queremos mostrar tudo isso. Vai ser uma coisa totalmente nova. Vamos criar uma novidade pro festival, romper uma barreira.
NSG: E como foi em Istambul? Um dos berços da cultura cigana.
Don: Em Istambul foi o primeiro lugar que a gente foi na raiz da nossa pesquisa. Estávamos na rua, tinha muito músico de rua, vimos centros de compras, na “25 de março” do mundo. Isso trouxe muitas raízes para a nossa pesquisa, muitas novidades. A gente chegou lá levando não só a música cigana, mas a música tropicalista, brasileira, que acaba somando. Então isso foi um encontro de culturas e eles gostaram muito. Eles ficaram muito felizes em escutar músicas que tem referências deles.
Denny: Não é só nos Bálcãs. A gente começou com a coisa dos ciganos, do trajeto deles, só que na nossa pesquisa a gente preferiu expandir para a antiguidade clássica, para a Babilônia, essa coisa do oriente. É uma pesquisa muito ampla. Somos ciganos no sentido de que viajamos o mundo inteiro musicalmente, no Egito, na Índia, na Babilônia…
NSG: Vocês então supriram uma demanda não atendida?
Don: A gente não supriu uma demanda, a gente criou uma demanda nesse nicho. São Paulo tem essa cena de música cigana. A música balcânica já aconteceu em outras festas. Criamos esse link mais próximo com a música eletrônica. Tem a música eletrônica em São Paulo e tem a noite balcânica: a gente fica no meio. Alternativo.
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