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Um domingo chinês dentro da Oca

por Luiz Pecora, 24 de maio de 2014
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Uma das coisas que provam que São Paulo não é tanto aquela cidade cinzenta e árida que acusamos toda vez que estamos presos no trânsito é a eterna oportunidade de emendar uma agenda cultural de improviso naquelas horinhas que vagam entre um programa e outro. Depois de um café da manhã pós Virada Cultural recuperador numa doceria da Augusta, e antes de me encontrar com uma amiga vinda do Rio, foi esse o desafio que eu e a designer de moda Helena Ness aceitamos: conferir a exposição “China Arte Brasil”.

A exposição trouxe nomes de destaque da arte contemporânea chinesa, com obras datadas desde a década de 1990, e ficou aberta na Oca do Ibirapuera até o domingo de 18 de maio (sim, deixamos para o último dia – era aquela hora ou nunca mais). Com curadoria de Tereza de Arruda e da chinesa Ma Lin, exibiu não só pinturas, mas também esculturas, instalações, fotografias, arte têxtil, vídeos e performances. Depois de uma caminhada gostosa pelo Ibirapuera, chegamos à Oca e ganhamos os ingressos sobrando de uma senhora que esperava o próximo sortudo na fila. Era para ser.

Eu sempre tento ir à exposições acompanhado de alguém que trabalha em outra área que a minha, assim posso aproveitar um detalhe diferente sobre cada obra. Foi pelo olhar de Helena Ness que fui prestigiado dessa vez, com seus comentários sobre as técnicas e influências que chamavam sua atenção enquanto caminhávamos. A primeira impressão que dá ao descer a rampa é de um cuidadoso trabalho contido em cada obra exposta, que me faz imaginar o tamanho da paciência exigida. Helena me confirma: se diz espantada com a fidelidade à identidade chinesa no aproveitamento de técnicas minuciosamente aplicadas. É inevitável pensar uma relação entre uma cultura milenar de valorização do cuidado técnico e o impressionante resultado de cada obra. Também impressiona a criatividade dos artistas em combinar técnicas e materiais de uma forma diferente, aproveitando com delicadeza cores, iluminação e textura. Ponto alto: rochas de isopor cobertas em tecidos e outros materiais – pelo que escutamos de orelhada da excursão que passava, o artista utilizou de botões de cerâmica a ossos de cação.

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Já no segundo andar, pudemos ver mais da arte pop chinesa contemporânea. Helena me explica que é possível identificar muitos elementos de fotografia publicitária, como a opção por cores fortes e o jogo de luzes, e que isso fazia uma forte referência ao capitalismo, de certa forma uma contradição com o que se espera na produção cultural em um regime comunista. Não sei se concordo com o diagnóstico, mas uma coisa é verdade: cada obra apresenta uma China vibrante, urbana e criativa, que não lembra em nada o estereótipo de país tradicional e culturalmente fechado.  Algumas exibições exploram um retrato crítico do cotidiano, outras prendem por suas cores e efeito dinâmico, mas todas forçam uma nova visão da realidade.

Quase chegando ao fim da exposição, percebo que perdi a noção do tempo. Aquelas horinhas entre encontros duraram mais que o esperado. Corre voltar para o mundo, atravessar o parque e voltar para a Paulista a tempo de tomar um café com a amiga carioca. Entre cada comentário do taxista (vai ter Copa sim, bolsa-esmola, vandalismo), me pego pensando na minha janela de tempo em “China Arte Brasil” – uma pequena janela para um país onde vive um sexto da população humana e que se consolida como segunda potência econômica – e lembro como é bom aproveitar um convite espontâneo na metrópole.

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Luiz Pecora

Luiz Henrique é bacharel em Direito e desenhista amador. Conhecer pessoas, viajar e ler são suas coisas favoritas no mundo — melhor se estiverem juntas. Gosta de arte, música, biologia, geografia, história, religião, política, filosofia, astronomia, e não suporta azeitonas. Vai mostrando como é e vai sendo como pode, jogando seu corpo no mundo.

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