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Construindo, escutando e tocando violões

por Flavio Lobo, 26 de abril de 2013
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Era aniversário de Luizinho 7 cordas, um dos maiores violonistas de São Paulo, quando Manoel Andrade, empunhando um violão oriundo de seu artesanato, dirigiu-se para a casa do amigo. O instrumento tinha como destino as mãos do lendário Dino, a quem Manoel havia prometido o cortejo. Pelos encontros do destino, fruto de amizades em comum, Baden Powell estava presente na celebração. “Baden, o Manoel, este meu amigo, toca algumas peças tuas”, comentou Luizinho, o anfitrião, fazendo as honrarias. Com a simpatia que lhe era de praxe, Baden não só o escutou como o acompanhou solando as melodias em um cavaquinho, como podemos conferir no raro registro imortalizado na fotografia abaixo.

Baden

“Ele pediu para ver meu violão e tocou uma meia-hora. Depois, me devolveu dizendo que o braço era largo. Eu disse, pô, Baden, é um violão de 7 cordas! Ele não tinha reparado, tocou meia-hora sem se atrapalhar”, me contou, aos risos,ascendendo um cigarro, o luthier Manoel Andrade.

IMG_2379Paranaense de Jandaia do Sul coleciona histórias como essa, em 55 anos destinados quase que exclusivamente à música. Recentemente adentrei sua luthiaria, na Rua Alfredo Pujol, zona norte de São Paulo. Subi por uma escada escura e estreita, que contrastava com a iluminada sala de recepção, onde desembocou, inebriado, o visitante que vos escreve. Grande parte da história da música brasileira complementa, em forma de retratos, as paredes da sala. “Vim para São Paulo com 5 anos, comecei a trabalhar com 8 e com 10 já tinha dinheiro para comprar um violão”, me confidenciou o Manoel, que se interessou pelo instrumento após ouvir Dilermando Reis tocando “Abismo de Rosas” no rádio.

Começou a fazer apresentações em São Paulo aos 16 anos de idade. “Flávio, pega um café!”, respondi: “Não tenho o costume de aceitar café de santistas, mas vou abrir uma exceção!”, em alusão ao time de futebol do coração do luthier, para ouvir, posteriormente, sua risada escancarada, cujo volume preencheu o ambiente, assim como algumas notas do seu violão, lapidadas com esmero.

Aos 20 anos ele começou a fazer manutenção no próprio violão por falta de opção, posto que sua guitarra estava desgastada de tanto estudar, dar aulas e fazer apresentações. Após uma infeliz tentativa alternativa de mandar arrumá-la, resolveu ele mesmo dar um jeito.

Manoel deu mesmo esse jeito. À sua maneira, lixou o violão, trocou as escalas e o instrumento melhorou. Fez isso outras três vezes mais e, a cada tentativa, notava evolução. Começou a consertar os violões dos amigos. Nada cobrava. Nessa altura do papo, meu amigo já está no quarto cigarro. “Fui praticando até que um dia cismei de mexer no som. Abri a caixa, troquei os leques. Fiz isso dez vezes até ficar bom! Assim comecei a luthiaria”.

32596_593266067351811_2008325139_nO músico foi treinando e desenvolvendo a nova profissão. Produzia instrumentos e os dava aos seus alunos. Até que parou de dar aulas e montou a sua primeira luthiaria. “Eu já tinha 40 anos e senti que era o momento quando o Geraldo Ribeiro, um violonista de quem sou fã, passou 10 dias experimentando um violão meu. Ele achou perfeito, ficou com ele e me pagou!”.  Em seus instrumentos, Andrade utiliza a madeira Jacarandá, proveniente da Bahia, tampo de abeto e escala de ébano. Ele produz violões, cavaquinhos e bandolins. “O segredo está na gente, não tem como contar e nem mostrar”, me diz Manoel, escasseando as minhas interrogativas que estavam em concepção.

Músicos como Jorge Cardoso, Luizinho 7 cordas, Danilo Brito, André Haik e Mário Pieroni utilizam instrumentos do luthier em seus concertos. As últimas apresentações em vida do histórico Dino 7 cordas também foram com um violão de Manoel Andrade, que promove saraus há 22 anos, todos os sábado à noite, em sua luthiaria, que como os vídeos abaixo revelam, não pude deixar de prestigiar. Nomes importantes da nossa música passaram por aqui, como o conjunto Época de Ouro, Dona Inah, Zé Barbeiro, Carrasqueiro, Isaías Almeida, as meninas do Choro das 3, Carlos Poiares e muitos outros.

Os jovens Thiago Adelungue e Fábio Gonzaga no sarau do Manoel Andrade 

“O pessoal começou a aparecer nos sábados para tocar, foi crescendo aos poucos e virou um sarau. Grandes chorões já vieram, houve dias memoráveis”, me contou o músico e luthier, homérica figura da cultura brasileira. De fato, inúmeros ouvidos agradecem, amigo Manoel!

Alguns acordes do próprio Manoel

Vídeos e fotos por Adolfo Martins – Iphone 4S

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