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Palavras asmáticas na casa de Pablo Neruda

Toda minha pequenez dentro de La Chascona, em Santiago.

por Adolfo Caboclo, 9 de novembro de 2015
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La Chascona 8

Uma respiração profunda, um flerte para el cielo de Chile. Em um início de primavera visitei La Chascona, uma das casas de Pablo Neruda, em Santiago.

Experiência na qual já comecei apequenado: não apenas pelo evidente hiato de repertório que existe entre um vencedor do prêmio Nobel de literatura e a pequenez do meu potencial poético, mas talvez por uma questão de origens.

Assim como Neruda, ainda jovem aprendi a ver Dostoiévski como uma força magnífica da poética, porém Neruda desenvolveu sua narrativa com inspiração na natureza, diante da brisa que perambula entre as árvores centenárias dos bosques chilenos, apreciando a força de escaravelhos e terremotos. Apesar de se intitular um “capitão de terra firme”, Neruda navegou, cruzou o mundo ainda muito jovem, procurou narvais por mares profundos enquanto os comparava com unicórnios do mar – sem saber se os cetáceos eram lendas ou reais. Neruda leu poesias com os olhos de quem já viu Gandhi, Che Guevara, Picasso, Vinícius de Moraes, general Franco, Salvador Alende, Mao Tse Tung e outras figuras igualmente importantes da história e nesse meu paralelo megalômano, deparo com minha escrita rústica, oriunda do cinza paulistano, dos cafés e dos grafites – do sotaque pesado e agressivo da zona norte. Seria uma completa falta de auto-crítica estar em frente a La Chascona e não me sentir minúsculo, franzino, asmático.

Aquela casa mágica e assombrada. La Chascona significa “a descabelada”, uma homenagem à Matilde Urrutia, a mais famosa das mil mulheres de Neruda. A mulher que foi amante, esposa, traída, companheira. A mulher que o viu morrer e o velou naquela mesmo local.

Casa com alma e objetos do mundo inteiro. Sem luxo e que exala intelectualidade. Claro que o fato de Neruda já não estar mais aqui faz isso tudo ser ainda maior. Neruda, que hoje vive em livros, sonetos e narrativas, se tornou palavra viva. Titânico, colossal. Ele mesmo diria que “las memorias del memorialista no son las memorias del poeta. Aquél vivió tal vez menos, pero fotografió mucho más y nos recrea com la pulcritud de los detalles. Este nos entrega una galeria de fantasmas sacudidos por el fuego y la sombra de su época. Tal  vez no viví en mí mismo; talvez viví la vida dos otros”. O certo é que hoje Neruda vive para a eternidade e é tão mais vivo que a maioria das pessoas que nos cerca e nos mata – se não fisicamente: poeticamente.

Em La Chascona – assim como certa vez na Casa do Rio Vermelho, lar soteropolitano do amigo de Neruda, Jorge Amado – minha singela existência reverenciou a grandiosidade de vida. Pensei que o grito mais bonito já escutado no estádio Pacaembu não veio de um gol do Pelé, mas no dia em que 130 mil pessoas foram reverenciar a libertação de Julio Prestes e, ao lado de Jorge Amado, Neruda recitou sua poesia com os aplausos de todo estádio após cada verso seu em espanhol.

Se Pablo Neruda confessou que viveu em seu livro, se antes dos trinta ele já havia navegado por todo o mundo e se tornado embaixador em vários países, se esse homem viu amores, guerras e guerrilhas – civis, mundiais e frias -, cabe a mim ser discreto. Aplaudir, aprender, consumir, me entorpecer. Viver sua obra e casa. Respirar, respirar profundamente antes de entrar na Chascona.

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Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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