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Solitários marginais da São João

Solidão, Mandíbula, Alberta#3 e um balanço.

por Adolfo Caboclo, 27 de junho de 2015
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Balanço da Dom José Gaspar

A alma solitária é aquela que percebe que, de todas as ressacas, caras amassadas e cagadas profissionais, as mais formidáveis pipocam às sextas-feiras, depois de alguma quinta-feira irresponsável de libertação pós-firma.

Na solidão, a vida se faz saborosa. Nos faz experimentar o balanço da praça Dom José Gaspar e, ainda assim, sentirmos uma brisa no rosto.

É.

Sei lá.

Uma vez vi uma entrevista em que Bethânia falava de Caetano. Falava que ele deve ter uma vida solitária, pois são poucos iguais a ele. Meu pai falava a mesma coisa. Falava tomando uma long neck, olhando pro alto e comentando sobre se sentir sozinho mesmo rodeado de gente. Mesmo amando a gente que o rodeava. Poucos são iguais ao meu pai.

À noite, no balanço da Dom José Gaspar, é fácil se sentir sozinho – mesmo rodeado de gente.

De quinta sou tão marginal da Avenida São João quanto a biblioteca Mario de Andrade, quanto o Ramona, o Paribar e o balanço. Marginal como a Galeria Metrópole. Ah, a Galeria Metrópole (suspiros).

É lá que a noite de quinta-feira fica mais prazerosa, bem lá, no seu último andar. Mais especificamente no Mandíbula. Lugar que toca rock em vinil e tem várias cervejas. Aonde destaco três drinks: o negroni, o apperol spritz e a gin tônica. Por lá, as pessoas se afundam em seus sofás ou apreciam a São João do alto, sentindo o vento da Pauliceia e vendo o âmbar que sai das luminárias de rua.

Tomás Cytrynovicz - Divulgação

A beleza dura apenas até o momento do anseio de uma marcha bíblica. Assim como Moisés precisa cruzar o mar para achar o prometido, o solitário precisa sair do Mandíbula e cruzar a avenida para achar o Alberta#3, que, na minha opinião, é o templo com a melhor Guiness da cidade.

Não me estranha a existência de uma noitada no hiato entre o anoitecer da quinta e o amanhecer da sexta: na pista, as pessoas podem ficar com elas mesmas, pois uma noite dançando não é uma noite à mercê dos sonhos oriundos do sono. A pista é uma oportunidade de consciência. “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”. Esse conhecimento vem de dentro, vem da solidão. Os deuses também pulam em uma noite de quinta-feira e aos deuses eu garanto a melhor Guiness da cidade.

A alma solitária é aquela que percebe que, entre todas as ressacas, caras amassadas e cagadas profissionais, as mais formidáveis pipocam às sextas-feiras. Que existem poucos iguais. Que só existe um Mandíbula, um Alberta#3 e um balanço. Todos esses são marginais de uma única São João.

Lucas Franca - divulgação

Fotos:

Balanço da praça Dom José Gaspar: Felipe Lorozza: Vice.
Mandíbula: Felipe Larozza, divulgação.
Alberta#3: Lucas Franca. divulgação.

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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