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Um sonho de Sarau Erótico

por Nubia, 8 de outubro de 2013
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Sonhei que estávamos eu e o Lucas, meu companheiro, em uma casa muito louca. As pessoas entravam nessa casa e rejuvenesciam.

Tinha um casal tomando banho em uma geladeira. Eles começaram a se pegar calorosamente, e outras pessoas fora da geladeira também entraram na brincadeira. Beijos múltiplos, triplos, quádruplos. Muitos voyeurs, muitas câmeras. Apareceu alguém que julguei ser a Clara Nunes na sala, e começamos a cantar com ela. Depois todas as pessoas da sala pararam o que estavam fazendo para, juntos, entoarmos um mantra tátil-sonoro psicodélico, que nos fez enlouquecer.

Saímos pra pegar um ar e tinha uma galera tocando Tim Maia fervorosamente. Um cone de trânsito com um par de chifres em forma de pernas de bebê servia de microfone. O Lucas pegou o violão e tocou um pout-pourri de sambas “frenépicos”. Viajamos na maionese acompanhados de um cara chamado Super Noia.

De repente eu estava sozinha e  apareceu um cara mascarado, negro, sarado, sem camisa e de capa preta,  com uma corrente prateada, que pegou na minha mão, olhou fundo nos meus olhos, e disse: “fique com isso”. Abri a mão e tinha uma aranha.

Chegamos em uma sala sufocantemente lotada, pessoas dançavam em transe, algumas peladas, não conseguíamos nos movimentar. Atravessamos, até chegar na sala ao lado, que por razões que a própria razão desconhece, estava vazia. Então chegou um casal que começou a praticar um contato-improvisação que evoluiu pra um abraço tântrico no chão, e assim ficaram por muitas horas. Dançávamos gafieira ao redor deles.

Duas garotas nos cutucaram e falaram: “Oi, com licença, vocês são muito lindos!”. Em outros ambientes, pessoas liam contos e poesias eróticas e  contavam suas experiências sexuais em um microfone de pinto chamado Paulinho.

Sentamos no sofá em uma sala escura, sozinhos, e  apareceu um cara que falou: vocês estão num sarau erótico e estão aí quietinhos, só deitados? E o Lucas falou “é que a gente tá dormindo”. Falei: “e você é um personagem do nosso sonho”. Então ele pegou uma perna  de plástico de manequim e começou a nos seduzir passando a perna na gente.

Em outro ambiente, tinha uma cortina de tiras de  plástico transparente que dividia duas salas: a vermelha e a azul. Eu  estava em uma e o Lucas na outra. Nos olhávamos através da cortina, parecia uma camisinha gigante, grudávamos nossas cabeças, que transformavam-se em cabeças de ET, e invadíamos o espaço um do outro,  sem atravessar a fronteira. Até que o Lucas atravessou a transparência e nasceu: veio para a luz, em minha direção, e agora nos abraçávamos na  sala vermelha.

Voltamos pra sala da geladeira, outras pessoas tomavam banho. Lá tinha também um cara com uma cueca de coração com um  bagulhinho de fazer barulho dentro, tipo bichinho de criança, um manequim com 6 peitos e cabeça de barbies e uma garota com peitos gigantes. E um quadro escrito: “ACORDA”.

Então as portas fecharam. Acordamos? Abrimos os olhos. Saímos da casa bastante assustados pela luz e pelos carros,  jogados na realidade do sol. Aparece um garoto e fala: “calma gente, só  amanheceu, isso acontece todo dia, não precisa ter medo”.

Alguém alerta para tomar cuidado ao atravessar a rua, pois essa hora já tem ônibus, e eles são rápidos e rasteiros. Então eu disse: “Eles estão entre nós!” Questionamo-nos sobre a possibilidade de algum de nós ser um deles, e então eis que surge majestoso do alto de um cemitério, ele, o ônibus. O letreiro clamava: “SOCORRO”. Teria alguém se transformado em um ônibus, e a mensagem do letreiro foi a forma que a pessoa encontrou de pedir ajuda?

Definitivamente, era a prova de que ainda estávamos no sonho. Cruzamos por uma moça com algumas sacolas.  Esbarro acidentalmente em uma delas, e o barulho que ressoa é um som de bongô. Tum turum tum. Caminhando em direção ao ponto de ônibus, passou por nós um carro buzinando. Levamos um susto quando de dentro do carro ouvimos os gritos: “ELES ESTÃO ENTRE NÓS!”

Já dentro do  ônibus, contava entusiasmada sobre o sonho muito louco, sobre o quadro, a perna de manequim, a cortina fronteiriça, sobre o cara que me deu uma  aranha. Abro a bolsa, e a aranha está lá. A noite nunca tem fim.

Isso não é uma história de ficção, foi uma noite de sarau erótico na NossaCasa Confraria das Ideias. Contei como se fosse um sonho pra mostrar que o que faz o mundo onírico ser muito mais louco que a realidade não é o seu conteúdo, mas sim a forma como  enxergamos ele, os mecanismos de proteção e de senso de realidade que deixamos de ter ao desligar a consciência. Isso tudo foi real, não há nada nesse relato que tenha sido inventado, e sendo real, paradoxalmente parece menos interessante do que se contado em forma de sonho.  Engraçado, né?

IMG_9762-2Foto por Nubia Abe

 

Nubia Abe

Nubia é uma fotógrafa apaixonada pelo que faz (qual fotógrafo não é?). Das suas coisas favoritas: festivais no meio do mato, cidades de interior, toda e qualquer forma de viagem – seja ela literal ou figurada, músicas de raiz, temaki, sopa, conversas nonsenses com pessoas aleatórias. Detesta grandes avenidas e sertanejo universitário. Não consegue viver sem arte e sem São Paulo. Acha graça em qualquer coisa, e dorme mais do que o necessário – é que tem muita pena de largar um sonho pela metade. www.nubiaabe.com

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