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Campina do Monte Alegre: economia solidária na cidade que é feliz desde o nome

Conversamos com o prefeito de Campina do Monte Alegre sobre o "Campino", a moeda social criada no município

por Estela Marcondes, 27 de outubro de 2014
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Não há assunto mais falado nos últimos dias em nosso “País Canarinho” do que as eleições presidenciais. Sinto que este tema traz à tona discussões políticas e econômicas que, cá para nós, ficam (não raramente) submersas durante os outros anos, até que cheguem as eleições municipais. Exceto durante eventos como greves, reivindicações trabalhistas e estudantis e outros movimentos isolados de natureza semelhante aos citados, ainda é muito comum encontrar jovens (e jovens que nasceram há muuuuuitos anos também) que só de ouvirem a palavra “política” ou a palavra “economia” já torcem o nariz. Não os culpo. Acredito que isso aconteça, em parte, pelo fato de frequentemente associarmos o primeiro termo ao sentido de “partidos políticos” e de “eleições” e ao segundo, o sentido de “capitalismo”. E nessas conotações, confesso que eu também torço o nariz. Mas a verdade é que os significados reais destas palavras são bem diferentes. “Política” é nada mais do que a arte ou ciência de governar, enquanto “economia” vem da união dos termos gregos “oikos” (casa) e “nomos” (costume, lei), ou seja, “cuidar da casa, administrar o lar”. Ao falar de economia de uma Cidade ou Estado, o termo compreende a noção de como as sociedades fazem uso de seus recursos para a produção de bens com valor e a forma como estes bens são distribuídos entre seus indivíduos (1).

Todo esse preâmbulo para introduzir com certo cuidado o tema deste artigo, deixando claro que não exprimo aqui preferências partidárias e afins, mas simplesmente o relato de uma experiência política e econômica da qual tive a oportunidade de me aproximar (que, para mim, é profundamente inspiradora e “revigorante”, neste clima de certa “ressaca reflexiva” pós-eleições) e que tem produzido grandes transformações sociais em um pequeno município do interior de São Paulo. Trata-se da cidade de Campina do Monte Alegre, local cujos habitantes – PASMEM – somam praticamente o mesmo número de moradores do “Copan” (famoso edifício projetado por Oscar Niemeyer, no centro da cidade de São Paulo): pouco mais de cinco mil pessoas.

Campina do Monte Alegre, além de pouco populosa, é também uma cidade bastante jovem. Sua emancipação aconteceu no início dos anos 90 e seu primeiro prefeito eleito foi o senhor Carlos Eduardo Vieira Ribeiro (que  é, nos dias atuais, pela terceira vez o prefeito local) (2). A cidade já despertaria naturalmente minha atenção pelo seu nome, que por si só me causaria diversão com o pensamento de como seria denominado o cidadão nativo. “Feliz na Montanha”, talvez? Ou quem sabe apenas um cidadão “Alegre”? (3) Mas além do nome simpático, ouço falar do local desde pequena, pois meu pai tem amigos por lá. Contudo, foi recentemente que Campina fez meus olhos brilharem. Durante uma aula de pós-graduação na Unipaz, cujo tema era Economia Solidária. Lá, ouvi sobre o “Campino”, a Moeda Social criada no município. Esta não é a primeira nem a única Moeda Social brasileira. Mas é, sem dúvida, a mais articulada com as leis municipais, ou seja, a mais “formalizada”.

O curioso é que o prefeito, Carlos Eduardo, está se formando para aprender a “política” (no sentido da arte e ciência de governar) com o olhar da economia social. Ele concluiu recentemente sua tese sobre Moedas Sociais para sua especialização pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná em Gestão Pública Municipal. Consegui contato com ele, que gentilmente compartilhou com o NSG este trabalho, contando mais sobre o “Campino” e sobre a “FIB” (Felicidade Interna Bruta), que juntamente com o “PIB” (Produto Interno Bruto) constitui um importante indicador para a cidade.

O prefeito Carlos Eduardo (o segundo homem da foto, da direita pra esquerda) O prefeito Carlos Eduardo (o segundo homem da foto, da direita pra esquerda)

PARA TUDO! Se neste momento você pensou em “desentortar” o nariz para saber mais sobre isso, é importante entender o que são Moedas Sociais. Com a palavra, o prefeito:

“A moeda social é uma ferramenta da economia solidária, utilizada pelos bancos comunitários, que não são instituições financeiras, mas associações civis, Organizações Não Governamentais – ONGs – ou entidades sem fins lucrativos e tem sido usada com o objetivo de aumentar a circulação de bens e serviços em uma comunidade, promovendo o desenvolvimento local, incluídas em certos programas de políticas públicas de combate à miséria e inclusão social. Seguindo os princípios da economia não se trata de dinheiro, mas de instrumento de desenvolvimento social local. A circulação da moeda social ocorre no comércio local e geralmente quem compra com a moeda social recebe um desconto patrocinado pelos comerciantes locais, criando fidelidade no seu comércio”.

Em outras palavras, a Moeda Social é uma forma de fazer com que o valor circule dentro da própria comunidade. Geralmente, o que acontece é exatamente o oposto. Por exemplo: você vive em um pequeno bairro e está acostumado a fazer a feira na rua ao lado de sua casa uma vez por semana, além de comprar outros itens na pequena mercearia de seu vizinho. Ao fim da tarde, frequenta uma academia simples do bairro. Até que, com o crescimento urbano, surgem por lá um supermercado de uma grande rede – ao qual darei o nome fictício de “Pão de Sal” – e uma filial de uma poderosa rede de academias chamada “Smart Bit” (nome também fictício). Devido à força de mercado e à riqueza e tamanho destes estabelecimentos, eles conseguem proporcionar variedade e preço imbatíveis. Para você, morador local que também precisa economizar, os novos valores e produtos são irresistíveis e você acaba saindo da sua antiga academia e também altera o local onde compra a maioria dos seus artigos do dia a dia. Seus vizinhos fazem o mesmo, claro! Afinal, todos precisam de variedade e economia. Contudo, em pouco tempo, o comércio da região não resiste à concorrência e a mercearia e a pequena academia fecham as portas. Porém, o dono da mercearia, que utilizava os serviços de informática da sua pequena empresa, com a falência, não os utiliza mais e você perde seu maior cliente. Analogamente, várias outras relações de troca da comunidade são alteradas e o dinheiro já não circula mais dentro da região, mas para fora dela, fazendo com que a riqueza não permita o desenvolvimento sustentável local. As grandes redes, cujos donos já são milionários e muitas vezes até mesmo estrangeiros, tornam-se cada vez mais ricos. E aí, como diria a canção, “o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre…”.

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A Moeda Social objetiva fomentar exatamente o processo inverso. Carlos Eduardo explica como surgiu o “Campino”.

“No início era apenas um “vale troco” que os munícipes podiam usar como dinheiro. No entanto, não demorou para que o Campino fosse valorizado, chegando ao status de moeda.”

Então, com o intuito de lançar um plano de combate à pobreza, Carlos Eduardo montou uma cooperativa de separação de lixo: orgânico, reciclável e não reciclável:

“Além de incentivar os cidadãos a cuidar melhor do lixo produzido, ajudava a combater a pobreza que, na época, era o grande desafio do Fundo Social Municipal e da própria prefeitura. A cooperativa funcionava com um caminhão que passava recolhendo o lixo reciclável. A garantia do sucesso é que o lixo era pesado e pago com Campino, a moeda social que os munícipes usavam, depois, para adquirir produtos fabricados com o próprio lixo ou qualquer outro tipo de artesanato produzido pelas pessoas atendidas pelo Fundo Social do Município. Com o passar do tempo, o Campino foi sendo aceito pelo comércio local, a partir de acordos celebrados entre o poder municipal e os empresários do município. Dessa forma, iniciou-se o “giro” da moeda, garantindo, por quatro anos, a manutenção de programas sociais altamente eficientes em prol da população mais carente”.

Outra proposta do prefeito é criar uma “Secretaria da Felicidade”: “órgão municipal que substituirá a Secretaria de Promoção Social em Campina do Monte Alegre, não só para implantar programas de auxílio às pessoas como também para chamar a atenção da mídia nacional e, quiçá, internacional. Ora, IDH é índice largamente utilizado no Brasil e, mesmo com falhas, mensura o desenvolvimento humano de uma cidade ou região. FIB é outra coisa: vai além do desenvolvimento, mensura a satisfação, as emoções, a felicidade e não somente a alegria.”

Todas essas ideias são uma pequena parte do que este pequeno gigante município tem vivido em suas treze primaveras. Sinto uma chama interna de esperança soprar em mim ao pensar em um governo no qual tão importante quanto a cobertura do saneamento básico é o grau de felicidade da população. Obviamente, uma série de questionamentos ainda me intrigam: isso tudo daria certo em um município de maior porte? O que os Campinomontealegrenses pensam disso? Será que a Moeda Social fomentada pelo governante tem a mesma força das moedas sociais que surgem como uma iniciativa revolucionária da população? De toda forma, fica em mim uma certeza: tem muita transformação aparecendo por aí!

 NOTAS DE RODAPÉ:

(1) Segundo o dicionário Michaelis.

(2) O prefeito foi, em um de seus mandatos, impedido de governar após a eleição, condenado por improbidade administrativa, por ter implementado uma cooperativa em sua primeira gestão, sem a realização de concurso público, em uma tentativa de maior participação popular no governo. Contudo, foi absolvido pela Justiça, por ter sido comprovado posteriormente que a medida não gerou prejuízo ao Erário Municipal.

(3) Brincadeiras à parte, quem nasce no local é chamado “Campinomontealegrense”. 

Estela Marcondes

Estela Marcondes é Terapeuta Ocupacional, acompanhante terapêutica e encantada pelas "linguagens" do mundo, além da verbal. Algumas vezes pensa que a palavra foi inventada por alguém que estava com preguiça de usar os outros sentidos para dizer como se sentia. Adora LIBRAS, dança, trabalhos manuais, música, observar demonstrações explícitas de carinho e elefantes!

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