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Caos

por Adolfo Caboclo, 14 de maio de 2013
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Foto 7Por um bocado de motivos, o Caos, na amada Augusta, chamou a minha atenção já faz algum tempo. Sua fachada com os traços do grafiteiro Chivitz, tão familiares aos meus olhos criados em Santana, sempre me proporcionaram um conforto enorme, e amiúde me peguei assistindo o programa que leva o nome da loja nos raros momentos de decisão em zapeadas pela TV a cabo. A primeira vez que entrei na loja, pouco antes da minha temporada europeia, fiquei maravilhado com a “sacada” de trabalharem com objetos de valores emocionais únicos. No meu primeiro inspirar no Caos senti o mesmo cheiro que sentia aos 8 anos de idade, quando passava horas em uma loja de brinquedos apenas admirando os bonecos do Comandos em Ação e dos Cavaleiros do Zodíaco. Nesse lugar encontramos mais do que relíquias para vender, mas um pouquinho da história empoeirada de cada um de seus frequentadores.

Foi ao acaso, lendo uma revista, que vi uma matéria com a Carrô, uma das proprietárias do Caos, e um desejo irresistível de descobrir como que surgiu a mirabolante ideia da criação de uma loja, que é também balada e programa de televisão, me atiçou. O outro “comandante” desse emaranhado de informações é o Tibira, que me proporciona um sentimento paradoxal, o cara faz meu coração de criança voltar a bater com os brinquedos da loja, mas meu fígado de adolescente se contorcer com as lembranças de sua antiga balada, o saudoso Vegas. Em um movimento de colher algumas fotos do local e também encontrar um regalo de dia das mães, dei a sorte de encontrar no estabelecimento essa dupla que tanto sabe explorar valores emotivos e bati um bom papo com eles.

Foto 1

Sentei em uma poltrona em frente a que eles estavam e perguntei como surgiu a ideia da loja. O Tibira, com uma imponência simpática, me respondeu: “Eu tinha um galpão na Vila Madalena de uns 600 m². Liquidei metade das coisas que eu tinha nesse galpão, peguei o resto e guardei num outro lugar. Fiquei com essas coisas guardadas e continuando a minha coleção, aí eu liguei pra Carrô e falei, “Carrô, tô com umas 2 mil, 3 mil peças de coisas guardadas, vamos abrir uma loja com um bar?” E ela tinha o acervo dela, aí as coisas foram acontecendo e a gente achou esse ponto. Chamei ela pra ajudar e a gente chamou um menino pra fazer o cenário e aconteceu. Estava no fim do Vegas já. E essa coisa de balada que começa meia-noite e vai até cinco da manhã, a gente trabalhava tipo de terça à domingo, né, cara! After hour que era uma coisa bem louca. Então nesse intermédio eu estava com um monte de coisas guardadas, meio com dó de deixar tudo isso guardado e aí a ideia veio meio que disso. Porque, na verdade, quando a gente coleciona, a gente tem um pouco de receio de ficar expondo, porque já quebrou um monte de coisa, já sumiram algumas coisas, então você tem um certo ciúme. Mas eu abri mão, desapego total, vamos fazer.” Foi aí que a Carrô, com seu olhar emoldurado por uma franja rubra complementou: “É, eu tinha ciúme e agora não tenho mais, sinceramente eu não tenho ciúmes de quase nada. Até minha bicicleta, essa semana, eu trouxe pra vender.” Seguindo de uma risada gostosa, um clima acolhedor que esteve presente durante todo o papo. Eles me explicaram que enquanto o Tibira coleciona seu acervo desde os 14 anos de idade, a Carrô trabalhou em cinema como produtora durante 12 anos.

Foto 4“Era um filme  e “ah, a gente vai jogar isso fora” e eu, “não, dá pra mim”, ou então “vende pra mim”, ou então tinha que garimpar coisas para um filme “x” e eu ia pro garimpo do filme e ia encontrando coisas no caminho que eu gostava, e comprando também, então acumularam coisas pra mim do cenário e das compras, então foi… E hoje a gente descobriu como fazer isso funcionar, porque era um desperdício, né, as coisas estavam guardadas e virou uma super decoração de um lugar super legal, virou uma loja.”, explicou a moça.

“Eu vou em feirinha, eu vou em bazar toda semana, é uma coisa que eu não consigo, sabe… A parte que eu mais gosto de fazer é o garimpo. A coisa de garimpar e colecionar é a parte mais legal.”, afirmou o Tibira, e não pude deixar de concordar. Junto com sua parceira eles esbanjam perfeccionismo em um olhar aguçado. Prova disso é que o Caos é absolutamente organizado, com uma bagunça que parece ser minuciosamente composta.

E é grande parte desse material para garimpo que chega até eles. “Era um número muito grande de gente querendo vir vender coisas, e aí era um exagero de quantidade, não dava pra comprar, então tem algumas peças que a gente fala: “Você não quer deixar aqui, pra tentar vender?” É mais uma forma de ajudar a pessoa do que da gente ganhar dinheiro.”, a Carrô explicou.

E não é que, na loja, não chegaram apenas oportunidades de garimpo, mas também outras formas de “fazer o Caos”? “Aconteceu que o History Channel, por causa da lei nova da Ancine, de todas as emissoras gringas terem que ter um programa nacional, estava atrás dos novos “caçadores de relíquias”. Na verdade a primeira ideia deles era essa, e aí começaram a ir em todos os antiquários de São Paulo, à procura dos novos personagens. Um dia, sem a gente saber, entraram aqui no Caos, olharam o lugar, amaram, a gente nem sabia, a gente estava sendo espionado mesmo, e aí o Tibira fez um vídeo de 1 minuto, aí depois me conheceram. Três, quatro dias depois, o History assistiu o vídeo e falaram: “Vocês não querem ser os novos caçadores de relíquias?” Mas enfim, o Caos era tão interessante, que falava de life style e um monte de outras coisas, que eles preferiram assim. Não vamos copiar o nome, vamos fazer uma coisa nova. Tem toda história da loja, que é tão autêntico e tinha tanta coisa divertida pra se contar.”, comentou a Carrô, e o Tibira complementou: “A coisa do conceito Caos pesou, por isso o nome do programa ficou Caos.” Abaixo o vídeo do primeiro episódio da série.

“Eu não vejo o Caos se não for em uma cidade bem grande.”, disse o Tibira quando questionado sobre a possibilidade de vermos a sua loja em ruas não paulistanas. Ele também falou sobre o conceito do seu negócio: “Tem um outro tipo de antiquário, o cara que gosta de coisas brasileiras mais antigas. Porque aqui, o cara do antiquário torce o nariz pra gente, eles odeiam a gente, porque a gente não é antiquário. A gente não é aquele antiquário que vende peças de 1800, a gente nem quer isso, mas o cara do antiquário, aquele velhinho que fica lá, que quer vender aquela escultura de bronze, ele olha nossa loja e fala “essa loja é um lixo”, entendeu, porque o cara quer vender outras coisas, ele tem um outro conceito de antiguidade. Por isso que eu nem trato nossa loja como loja de antiguidades, a gente tem pouquíssimas coisas aqui que tem mais de 100 anos.”

“Como então classificar o Caos?”, perguntei, e a Carrô não deu outra: “É o caos”. Em relação aFoto 2 gama enorme de antiguidades de lá, o Tibira disse: “Aqui tem clientes desde a vovó milionária que vem com chofer e compra um presente pro netinho, até aquele moleque que guarda moedinha e vem “pô, tio”. Um moleque veio aqui e guardou moedinha pra comprar um Hot Wheels. Isso é muito legal. E aí também tem o cara que chega e vem doar um negócio pra gente, tem umas coisas muito loucas. “Meu irmão morreu, guarda pra mim” e eu penso, “puta, que responsabilidade.” A Carrô ponderou: “A gente tem que aprender a falar não, porque aparece também muita porcaria.”

Uma história legal que o Tibira comentou foi essa: “Outro dia um cara veio com um saco de relógios, e eu falei: “Amigo, pra eu avaliar todos esses relógios, vai levar uma semana”, e ele falou, “quer saber uma coisa? Me dá 100 reais sem olhar.” Catei e dei. E depois vi que tinha uns três relógios que valem uns 3 mil. Mas o cara falou, “minha mulher quer tirar esse lixo da minha casa”. Pra mulher dele aquilo é um lixo, mas ali tinha um monte de coisa valiosa.”

A verdade é que dá vontade de saber a história de todos os objetos que a gente encontra lá na loja. Em uma delas, sobre um vestido de noiva exposto na loja (que não era o do Nelson Rodrigues), a Carrô até nos revelou um segredo que gerou muitas gargalhadas: “Talvez porque eu queira tanto casar escondido, que eu não conto pra ninguém, meu inconsciente aos poucos está começando a ser revelado. Cada hora eu compro um vestido e trago. Teve um dia que eu tinha colocado um na vitrine: “Para quando eu me casar em Vegas” – estava escrito no vestido. Depois coloquei outro, agora tem esse. Enfim, é uma piração. É isso, eu não quero essa coisa de casar no papel e tudo mais, mas sim de casar em Vegas e sair de Cadillac só pra me divertir. É só isso.” Realmente, esse Caos garimpa de tudo… até o que está dentro da gente!

Foto 3

 

Fotos por Adolfo Martins e Fernanda Miranda

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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