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Todas as memórias que o Viola, Minha Viola pode trazer

por Heitor Botan, 1 de abril de 2014
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Lembro-me das manhãs de domingo no interior. Enquanto se preparava o almoço, da sala ouvia-se uma viola afinada, entoando músicas que falavam da vida no campo, dos sentimentos e vitórias do povo da roça. Era meu pai assistindo Viola, Minha Viola na TV Cultura, apresentado pela Inezita Barroso.

Sinto que quando criança, a gente nem valoriza a cultura caipira, do nosso povo. É depois, na escola ou na faculdade, que começamos a respeitar e admirar a cultura local. E bem depois, quando trabalhamos em outra cidade, longe da nossa terra, que sentimos a falta que a nossa terra nos faz. Acompanhar a gravação do Viola, Minha Viola, no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, era, de alguma maneira, matar uma saudade.

Eu não era o único que ia pela primeira vez à gravação do programa. Lá também estava Dona Adelina, de 89 anos. São 64 anos de diferença entre ela e eu.

Plateia aguarda início da gravação no Sesc Bom Retiro Plateia aguarda início da gravação no Sesc Bom Retiro

O Viola, Minha Viola é o mais antigo programa musical da TV brasileira. Em 2014, ele completa 34 anos e ultrapassa a marca de 1.500 programas gravados. É certo que com tanto tempo de exibição, ele passou a fazer parte da história e da memória de sua audiência. Inezita e sua equipe são tratados de maneira íntima pela plateia. Há a senhora que chama a atenção do cameraman e o saúda com um beijo, como velhos amigos que se encontram pelas ruas. Atrás de mim, há a mulher que, ao ver Inezita errando o texto escrito na ficha, comenta: “só pode ser o garrancho do Aloísio”. Ela se refere ao diretor de palco que, instantes antes da gravação, revisou o roteiro do programa escrito na ficha da apresentadora.

Percebo que a história do Viola, Minha Viola se cruza, também, com os próprios artistas que lá se apresentam. Os irmãos Otavio Augusto e Gabriel, que formam dupla sertaneja desde 1998, recordam que este foi um dos primeiros programas em que se apresentaram na TV. Além disso, lembram como o Viola, Minha Viola foi importante para reforçarem o gosto pela música caipira. E então, mesclam em sua apresentação músicas românticas — influenciadas pela vertente sertaneja atual —, com clássicos caipiras. A plateia se rende à apresentação dos músicos nos dois momentos. Inezita elogia os músicos pela sua formação caipira, que não nega as origens. E, em seguida, solta sua impressão sobre o atual cenário músical sertanejo. “Antigamente só tinha música boa. Agora até que tem coisa bem feita, de vez em quando dá pra ouvir”. Foi polida, mas eu não deixei de sentir uma crítica. Só eu? Otavio Augusto e Gabriel Otavio Augusto e Gabriel

Outra dupla que não deixou de reconhecer a importância do Viola, Minha Viola para a carreira foi Neymar Dias e Toninho Ferragutti. Neymar, inclusive, lembrou que a primeira vez que se apresentou no programa, a viola era maior do que ele próprio — sua primeira apresentação foi aos seis anos de idade. “Foi aqui que comecei minha carreira”. A dupla lançou um álbum de músicas caipiras de raiz, apenas em versões instrumentais: Toninho comanda o acordeom, enquanto Neymar toca a viola caipira. Ao contarem do projeto, Inezita questiona: “será que vai vender?”. E solta uma gargalhada. Não deixa de ser mais uma crítica à indústria fonográfica e à valorização da música caipira.  Neymar Dias e Toninho Ferragutti Neymar Dias e Toninho Ferragutti

É inevitável que Inezita se ligue tanto ao passado. Ela resgata a sua memória e a história do próprio programa que apresenta e que, de uma maneira ou outra, personifica. E é lindo presenciar como ela se emociona no palco que ocupa há tanto tempo. Inezita é muito mais do que representante da música brasileira legítima: representa uma cultura oprimida e um povo com valores bem definidos. E assim, comove toda a plateia, quando interpreta De papo pro ar.

“Quando no terreiro / Faz noite de luar / E vem a saudade me atormentar / Eu me vingo dela / Tocando viola de papo pro ar”.

Ainda bem que existe a viola para expressar os esquecidos valores e sentimentos da cultura caipira. Ainda bem que há o Viola, Minha Viola para resgatar, preservar e divulgar esta cultura para todas as gerações. E pra me fazer sentir em casa.

Inezita Barroso canta De papo pro ar com Neymar Dias e Toninho Ferragutti Inezita Barroso canta De papo pro ar com Neymar Dias e Toninho Ferragutti
 Inezita Barroso ensaia apresentação de Jangada  Inezita Barroso ensaia apresentação de Jangada

Alexandre e Paranaense Alexandre e Paranaense

Fotos por Heitor Botan

Heitor Botan

Heitor Botan é jornalista por formação, relações-públicas por vocação e publicitário por opção. É interessado por música, filmes, livros, ciência, artes, design e explorar lugares novos. Não começa o dia sem um pão na chapa e um suco de laranja e não começa nenhuma conversa com pessoas que olham como loucas e falam ‘você TEM QUE...’.

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