O Dicionário Coxês-Português
Imagine um homem despertando em pleno domingão. Ele acorda trajando um pijama com detalhes quadriculados e, antes de se levantar, encaixa pantufas em seus pés. Depois vai ao banheiro, toma uma ducha, coloca um de seus roupões brancos e diante do espelho barbeia o seu já barbeado rosto. Como é domingo, esse cidadão acordou com vontade de ir ao Shopping Iguatemi, para almoçar no Ritz e assistir ao novo filme do Woody Allen – mas, claro, sem “captar” as ironias feitas justamente para esse tipo de pessoa que está sendo descrita –, porém, antes de ir ao Iguatemi, o homem abre o seu closet e fica em dúvida sobre qual bermuda combina com a sua camiseta da Lacoste e o seu tênis da Richards. Na verdade, desde que esse cara, aos três anos de idade, ganhou o seu primeiro conjuntinho da Pakalolo, ele jamais conseguiu sair com uma combinação de roupas que não fosse da mesma “paleta de cores”. O personagem que acabo de descrever é um “exemplar coxa”, no caso um coxa elevado ao grau extremo, típico objeto de estudo de Lucas e Rossane, criadores do Dicionário Coxês-Português.
Conversei com a dupla estudiosa do “coxês” em um clássico restaurante com garçons sexagenários, como descreveu o próprio Lucas. Este é um jovem e falante publicitário, com a ansiedade traduzida em rápidos movimentos de joelho enquanto fica sentado. A designer Rossane, por sua vez, não é menos falante. A dupla se conheceu na ESPM, local de onde saiu a primeira inspiração para o dicionário.
“O dicionário surgiu de uma grande zoeira, porque na verdade a gente odiava os eventos da ESPM e achava tudo muito coxinha”, comentou Rossane. “A gente sempre teve esse ‘espírito de porco’ muito enraizado, essa necessidade de ‘trolar’ as pessoas, mas é como a Rossane falou, é sempre ‘zoeira’, só achamos engraçado”, explicou Lucas.
O legal é que, durante várias vezes no papo, a maior graça era justamente a profundidade da reflexão que a dupla fazia. Ao contrário do personagem da página do Coxês-Português, que usa e abusa de respostas rápidas que são verdadeiras “patadas”, seus criadores pegam alguns pequenos tabus, mergulham neles e simplesmente “esculhambam” de uma forma muito coerente.
“Eu via a galera falando ‘top’ toda hora, e eu falava, ‘caralho que merda né?!’ Aí eu escrevi um ‘top’ como se fosse um verbete de dicionário, no meu Facebook mesmo, e a galera começou a curtir, curtir, pra caralho. A galera falou, ‘meu, isso dá um Tumblr, você devia fazer com outras palavras’. Fizemos. O Tumblr começou a fazer um barulhinho, as pessoas pegaram. Começou a crescer de um jeito que a gente não esperava. A galera do UOL, do Globo, veio falar com a gente”, recordou o Lucas sobre os primórdios do dicionário.
A Rossane também comentou sobre essa época: “Eu entrava em sala de aula e escutava, “mano, eu caguei de rir no novo verbete, e eram exatamente os coxinhas da sala que falavam isso, e eu pensava ‘que maravilhoso, são os caras sobre quem eu estou escrevendo e eles não se tocam que é pra eles’. Porque coxinha que é coxinha, não sabe que é coxinha”.
Foi então que resolvi perguntar sobre os tipos de coxinha. Segundo o Lucas, tem muitos. “É muito heterogêneo, já passou daquele estereótipo único: tem o coxinha que não acha que é coxinha, e se preocupa muito em não se rotular de coxinha; tem o coxinha da academia, que gosta de treinar; tem o coxinha corporativo, que é o cara que almoça no Kinoplex e guarda a mesa com o crachá, faz happy hour todo dia e dá em cima da estagiária; tem o coxinha clássico, que é o coxinha da balada, que põe o som alto no carro; tem o coxinha sertanejo; tem o coxinha mano; tem o ‘coxipster’, que a gente apelidou”. A Rossane completou a lista. “Tem o coxinha que acha que é revolucionário, mas tudo que ele faz é ir para o Teto uma vez por mês, mas depois quando passa na frente do farol, fecha a janela pro mendigo”. Então o Lucas concluiu: “Mas é que é assim, existem níveis e níveis de coxismo. Acho que o ‘champas’, com foguinho no ‘camaras’ é o ‘ultimate coxinha”. E em um tom mais sério complementou, “qualquer tipo de humor parte da observação de um comportamento, o que acontece é que, pela primeira vez, a classe dominante, que não sofre preconceito todos os dias, se vê satirizada. Então isso incomoda algumas pessoas. Poucas. A maioria das pessoas sabe que a gente não é pra ser levado a sério, é uma brincadeira, é uma página de humor. Quando tem piadas sobre minorias, as pessoas acham engraçado e partem da observação delas”.
Claro, durante todo o meu contato com eles, me policiei para não falar nenhuma “coxice”. Impossível não ficar com “uma pulga atrás da orelha” em relação ao seu próprio grau de coxice perante esses dois. Fica difícil “se definir”, e justamente por isso perguntei “como vocês se definem”?
“O coxinha nos definiria como o famoso ‘alternas’! Se tiver um lugar pra gente escolher pra ir, acho que escolhemos ir pra Augusta, mas é que a Augusta também, já tá ‘tomada’ né?! Já ‘coxô’ faz tempo”, me disse o roqueiro Lucas, que é vocalista da banda de rock Diablo, por isso falei, “e o ambiente rock, está encoxando?” E – obviamente – escutei: “Tem o coxinha roqueiro também. Esse já gosta mais de U2, ‘utiúzera’, aprende a tocar violão pra pegar ‘umas mina’, escuta John Mayer”. Foi aí que eu entendi: tudo é contaminado, ser coxa virou mainstream. Já colocaram no dicionário? Mainstream, “meinstrími”…
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