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Manifestação em São Paulo, 17/06

por Heitor Botan, 18 de junho de 2013
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Não foi por acaso que aderi aos protestos pela revogação do aumento da passagem do transporte coletivo em São Paulo. Era quinta-feira, 13 de junho de 2013. Saio do trabalho aos sons das bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela polícia sobre os manifestantes na esquina da Consolação com a Maria Antônia. Ouço os gritos dos manifestantes. Comerciantes baixam as portas, o bairro está tomado por pessoas que correm sem rumo e sem entender o porquê de uma reação tão desproporcional. Mais sons de bombas. A fumaça do gás lacrimogênio toma o bairro. É difícil andar, respirar, avisar a amiga que está assistindo a manifestação pela TV que está tudo bem.

De quinta até segunda-feira, só aumenta minha convicção de que participar do protesto é muito relevante como papel que exerço nesta cidade. Já me interessava – e muito – pelas discussões sobre o transporte coletivo. Já tinha defendido as causas e o movimento desde os primeiros atos em São Paulo diante das rodas de amigos que insistiam em falar que ‘vandalismo não leva a nada’ e ‘só aumenta o trânsito para eu chegar em casa’. Aos primeiros, os lembrei de que as condições que as pessoas encontram no transporte público também é uma forma de vandalismo, o social. Aos segundos, minha intenção era falar que o mundo é maior do que o próprio umbigo deles, mas para preservar a amizade, só sorri de leve ou mandei um ;) no Whatsapp.

E, desde o começo, sabia que não eram só por R$ 0,20.

E, desde o começo, sabia que o protesto era o lugar mais apropriado para observar e fazer um retrato de como uma geração que não estava acostumada a protestar lidaria diante da vontade de expressar seu desejo para atingir seus objetivos. A manifestação me diria muito sobre esta geração – e sobre eu mesmo.

Eu olhava para as pessoas. Algumas usavam a máscara de Guy Fawkes, talvez o símbolo moderno para protestos. Outras com lenços, já preparadas para o pior – as bombas de gás lacrimogêneo. Como as bombas não vieram, o semblante mudou. As expressões já não eram mais de medo ou resistência. Era de esperança e de satisfação pelo movimento ter corrido pacífico até então. Alguns semblantes ficarão marcados na minha mente: do motorista de ônibus preso no meio do movimento, que sorria ao receber uma flor de um manifestante; e a de uma senhora de 82 anos, que carregava uma placa com a mensagem de que não estava para brincadeira, mas sim para manifestar. Ela estampava um sorriso que alegrará minha memória por muito tempo.

Eu olhava para o chão. Desde que descobri uma linha de tênis da Converse que já vem
‘sujo de fábrica’, tinha curiosidade em saber se esta geração tinha perdido o sentido que se sujar um All Star tem. Que muito mais do que um tênis sujo, aquele seria um tênis com histórias para contar. Histórias que só o barro ou o asfalto, e não o mármore de um shopping, poderiam dar. Mais do que o fim de uma marca, isso significaria, pelo menos para mim, o fim de uma geração. Ufa. Respiro aliviado. All Star era o tênis predominante entre os manifestantes que percorreram todo o longo trajeto do movimento, seja qual tenha sido o caminho: nesta segunda-feira, o movimento seguiu por, pelo menos, três rotas distintas. Não sabíamos onde estavam todos os manifestantes – a rede estava sobrecarregada. Só sabíamos que tínhamos tomado a cidade.

Eu olhava para os cartazes. Eram mensagens que pregavam diferentes mensagens. A revogação do aumento da tarifa do transporte coletivo, objetivo inicial do movimento, dava lugares a muitas outras manifestações. Abaixo a corrupção, PEC 37, abaixo a Copa. Políticos não eram poupados: Haddad, Alckmin, Dilma, Sarney. Nem jogadores de futebol. Eram causas coletivas, como saúde e educação, e causas de determinadas classes sociais. Todos se sentiram abrangidos pelo movimento. A multidão conforta a manifestação da individualidade.

Eu olhava para o céu. Os altos arranha-céus da Faria Lima não deixaram de participar do protesto. Funcionários do último andar de um edifício comercial saúdam os manifestantes
com uma chuva de papel picado, foi uma cena de arrepiar. Muitas janelas com tecidos brancos, era esse o chamado do movimento ‘Vem para a janela’. Dos prédios residenciais, uma cena em especial chama minha atenção. Na sacada da sala, a família sacode um lençol branco. Na janela da área de serviço daquele mesmo apartamento, a empregada doméstica sacode uma toalha. Tento imaginar quantas barreiras sociais ainda existem sobre aqueles patrões e a aquela empregada. Eles certamente não protestam pelos mesmos motivos. Mas o protesto não era só por um motivo específico. Era por um desejo de mudança.

Queria imaginar quantas diferenças existem entre aqueles patrões e aquela empregada. Entre os manifestantes políticos e aqueles que gritavam ‘Sem partido’ a cada hora que uma bandeira era levantada. Entre os integrantes que prepararam cartazes para validar o protesto e os manifestantes que prepararam cartazes para subirem uma foto ‘engajada’ no Facebook ou Instagram. Entre os integrantes do Movimento Passe Livre que queriam reivindicar a revogação do aumento da passagem e aqueles que foram apenas por um check-in. O protesto legitimava a diferença de intenções. Éramos milhares de pessoas. Éramos diferentes. E, inclusive, livres para sermos diferentes. Se alguma lição temos destes protestos, é de que descobrimos o quanto é importante ser livre.

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Fotos por Heitor Botan e Fernanda Miranda

Heitor Botan

Heitor Botan é jornalista por formação, relações-públicas por vocação e publicitário por opção. É interessado por música, filmes, livros, ciência, artes, design e explorar lugares novos. Não começa o dia sem um pão na chapa e um suco de laranja e não começa nenhuma conversa com pessoas que olham como loucas e falam ‘você TEM QUE...’.

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