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Nova Gokula: Uma visita à Índia sem sair do Brasil

por Estela Marcondes, 8 de novembro de 2013
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Passei meus primeiros dezessete anos de vida em Pindamonhangaba, mais conhecida como “Pinda” (abreviação que me parece unir a maneira carinhosa de nomear a cidade com a preguiça de todos nós quando a mencionamos). Situada no interior de São Paulo, na região do Vale do Paraíba, Pinda tem uma localização “mais-do-que-estratégica”. Muitos dizem que é “perto de tudo”: está na ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro, vizinha à Campos do Jordão, super próxima da famosa Aparecida do Norte e bem pertinho da maravilhosa cidade de Ubatuba.

Esta simpática e ascendente cidade tem seu nome bastante conhecido. Por algumas pessoas, devido às piadas que o apresentador “Raul Gil” fazia em seus programas na TV; por outras, por ser a cidade natal do governador de São Paulo; por outras, ainda, pela sua história, carregada de riquezas culturais. Mas, vez ou outra, quando me perguntam de onde vem meu “R”, que denuncia que não cresci em São Paulo, alguns abrem um largo sorriso e dizem: “Ahhhhh…não é aquela cidade da Fazenda Nova Gokula”?

Sabe aqueles caras com vestimentas “pouco habituais” e cortes de cabelo “menos-habituais-ainda”, que vendem uns livros indianos na Avenida Paulista, ou abordam docemente alguns dos apressados transeuntes para tentar transmitir mensagens de paz, de amor e até de consciência na alimentação? Então, pergunte a qualquer um deles se já ouviu falar na “Fazenda Nova Gokula” que, certamente, você já terá assunto para mais de uma hora de prosa. A explicação disto é que ela – cujo nome, em sânscrito, significa “lugar onde as vacas são protegidas” -, situada em um bairro chamado “Ribeirão Grande”, bastante distante do centro de Pinda, é a maior fazenda Hare Krishna da América Latina!

A “vendinha” de produtos orgânicos e outras delícias

A “vendinha” de produtos orgânicos e outras delícias

Não me lembro a data exata da primeira vez em que visitei a Fazenda Nova Gokula. Mas me lembro que foi um passeio com meus pais e meu irmão. Na época, eu ainda não conhecia quase nada sobre meditação. Apesar de eu ter uma sensação de que a espiritualidade sempre foi indissociável ao meu “eu-mesma”, independentemente de qualquer ligação à religião, quando criança, fui até “coroinha” – seguindo o legado da tradição católica da família. Por isso, o objetivo do passei era mais “cultural” e “alimentício”[1] do que qualquer outro.

Acontece que esta visita foi minha primeira aproximação de uma forma diferente da que eu conhecia até então de vivenciar a espiritualidade. Já tinha sido bacana, ao chegar à fazenda, a presença das vacas circulando em quase todos os ambientes. Mas eu já estava acostumada com elas, já que cresci na zona rural. Meu encantamento começou mesmo na hora de entrar no Templo, quando me diverti com a orientação de necessitar tirar os sapatos. Uma vez em seu interior, experimentei uma sensação inesquecível, vivendo sinestesias com a “ativação” de todos os meus órgãos do sentido, graças à beleza dos detalhes das paredes, ao aroma delicado de incenso e, principalmente, à música. As pessoas, sentadas em algumas rodas, entoavam mantras (que, na época, eram “musiquinhas-com-sons-deliciosos-e-palavras-incompreensíveis” para mim), embaladas por instrumentos musicais que eu nunca havia visto, mas que emitiam um som inebriante. Naquele momento, senti uma espécie de “calor na alma”, que talvez tenha sido uma mistura de gratidão com fé na presença de Deus.

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Foi assim que a “inocente” visita proposta pela minha família foi meu primeiro insight de que os rituais, religiões, filosofias, eram apenas facilitadores, veículos, ferramentas para cada Ser entrar em contato com a própria espiritualidade, alcançando o Divino. E que eu poderia conhecer outras “ferramentas” e utilizar delas para me aproximar do “Deus” em que acredito[2].
Este local – onde, de fato, as vacas são protegidas, em consonância com a cultura indiana – surgiu em 1978, quando um grupo de devotos, reunidos em torno de um ideal espiritual, iniciou as duas primeiras “casas” no local[3].

Com uma imensa área de aproximadamente 120 hectares, atualmente cerca de 70 pessoas vivem no local e mais de 12 mil visitantes passam por lá todos os anos. São realizadas, em Nova Gokula, atividades como criação de animais, cultivo de vegetais e vários produtos orgânicos, como mel e compotas de frutas. Além disso, é um centro de cultura védica, no qual acontecem seminários de estudos teológicos, retiros espirituais, cursos diversos e uma clínica com serviços de terapias da medicina ayurvédica. Tudo isso sem contar as cachoeiras, as trilhas, os animais silvestres e as paisagens incríveis.

Mas outro atrativo de Nova Gokula é ser centro de grandes festivais típicos da cultura da Índia. Na semana que vem, de 11 a 17 de novembro, será realizado o “Kirtan Fest”, um evento de cântico de mantras de longa duração, acompanhado de uma boa dose filosófica e espiritual que justifica o cantar. Durante o festival, serão festejados, também, os 40 anos da Iskcon – Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna – com a participação de devotos pioneiros da instituição no Brasil, além de uma grande exposição fotográfica[4].

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Pronto! Está justificada a antecipação da matéria de segunda-feira. Seria imperdoável falar deste festival sem dar chance aos possíveis interessados e prováveis curiosos se planejarem para acampar por lá, ficar hospedados no hotel ou apenas darem uma bisbilhotada. O Kirtan Fest definitivamente merece “aviso prévio”!

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Fotos por Estela Marcondes/ Site oficial


 

[1] A culinária de lá é um tópico à parte. Orgânica e vegetariana, a cozinha é famosíssima entre os não-vegetarianos também. Além disso, acontecem festivais de pizza natureba e até mesmo cursos de preparação de alimentos.

[2] Vale enfatizar que esta é uma opinião completamente pessoal. É importante dizer que é a MINHA verdade. Por isso, ela está sujeita a mudanças e só faz sentido, para mim, enquanto conversa constantemente com as “verdades” alheias.

[3] Confira a história completa da escolha do local e de curiosidades sobre a construção neste vídeo, com entrevista de Srila Acaryadeva

[4] Para mais informações, clique aqui para o Facebook e aqui para o site oficial.

Estela Marcondes

Estela Marcondes é Terapeuta Ocupacional, acompanhante terapêutica e encantada pelas "linguagens" do mundo, além da verbal. Algumas vezes pensa que a palavra foi inventada por alguém que estava com preguiça de usar os outros sentidos para dizer como se sentia. Adora LIBRAS, dança, trabalhos manuais, música, observar demonstrações explícitas de carinho e elefantes!

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