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Redescobrindo a complexidade no que parece trivial: comunicação não-violenta

por Estela Marcondes, 3 de junho de 2014

Você já se pegou pensando que vivemos em uma sociedade em que a comunicação parece estar por todas as partes, mas contraditoriamente nada comunica? Já teve a sensação de estar conectado a todo tempo, conversando simultaneamente pelo WhatsApp, pelo Facebook e com seu amigo que está sentado ao seu lado, mas sentindo que não está falando com nenhum deles com profundidade? E esta questão não tem a ver apenas com a intervenção da tecnologia moderna, que permite a um só corpo habitar vários lugares em um mesmo instante. Tempos atrás, eram os costumes e a tradição que serviam como justificativa de a esposa não conseguir se abrir num diálogo com o marido, um filho manter uma relação de mais medo do que respeito ao pai, um funcionário se calar durante uma reunião de equipe no trabalho, temendo ofender seu “superior” (caramba! Como soa pesado escrever este termo utilizado até hoje em algumas empresas). Bom, estes são alguns dos milhares de exemplos que me fazem entrar neste dilema: quanto consigo usar as palavras para me comunicar com os outros e comigo mesma? E como é esta comunicação? Será um monólogo compartilhado? Por sinal, assim fizemos quando éramos pequenos e aprendemos a falar: crianças brincando juntas dão a impressão de estarem dialogando, quando estão, na realidade, em múltiplos monólogos que servem para a organização interna de cada uma delas, elas não estão pensando se o amiguinho que brinca ao lado conseguiu abstrair o sentido do que disseram e este é um momento essencial ao seu desenvolvimento.

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Não é a primeira vez que escrevo aqui no NSG sobre meu encanto com as formas de “comunicar” que os seres vivos encontram para interagir e marcar sua passagem no planeta. Expressões faciais, movimentos do corpo, desenhos (aparentemente) aleatórios… Na verdade, sempre achei que falo melhor sem a boca. Falo melhor se abraço, se olho no fundo dos olhos, se sorrio, se seguro forte na mão de alguém, se escorre uma lágrima, se danço junto! Sempre que falo com a boca, me torno uma matraca, tagarela, falante pelos cotovelos e todos os adjetivos (pejorativos ou não) usados para designar os que falam PRA CARAMBA! E o pior de tudo, é que sinto sair da boca palavras mais vazias, que “não dizem nada”. Sorte minha que não sou a única! Vira e mexe conheço alguém que não tem dificuldade para falar em público, conta piada como quem conta até dez, comenta sobre uma situação aqui e outra acolá, mas emudece quando precisa comunicar sentimentos, fazer pedidos e usar palavras que saiam de dentro do coração.

Acontece que, conforme as velas do bolo começaram a aumentar nos meus “parabéns a você” de cada ano, fui percebendo que na vida adulta esta “pseudo-extroversão” não funcionava bem. E que, apesar de saber que temos duas orelhas e só uma boca, como diz o ditado, acredito que não é à toa o fato de a boca situar-se no centro; não apenas entre as duas orelhas, mas – geograficamente no corpo – no centro da ligação entre o cérebro e o coração.

A primeira vez que ouvi falar de “Comunicação Não Violenta” (CNV) foi no ano passado, na UNIPAZ (escrevi sobre esse lugar aqui). Criada pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosemberg, a CNV tem sido usada até mesmo em programas de Educação para a Paz da ex-Iugoslávia e regiões que vivenciam guerras em Israel. É difícil resumi-la, mas em síntese é o seguinte: observando que os conflitos surgem como expressão de uma necessidade não atendida, a CNV é um processo de entendimento que busca harmonizar minhas necessidades (e de cada um que a utiliza) com as necessidades de outras pessoas, de uma maneira empática. A partir deste ponto, ocorre uma mudança de olhar: dos meus erros e dos erros dos outros às necessidades de todos. É assim que, aprendendo a estabelecer uma conexão profunda com os próprios sentimentos e aprendendo a expressá-los sem culpas ou julgamentos, deixo transparecer minha própria vulnerabilidade e uma linguagem que aumenta a disposição para cooperar ao invés de competir por “quem vai ganhar a briga”.

Obviamente, a CNV é apenas uma de muitas estratégias bacanas para outras formas de produzir comum (comunicar), mas para mim tem sido um aprendizado diário. Ela também não é usada só em momentos de grandes conflitos e brigas, mas uma estratégia para ser usada todo o tempo. Sentindo-me cada vez mais interessada por compartilhar experiências sobre ela e aprofundar-me na técnica, encontrei um grupo de estudos no Facebook. Logo descobri que o grupo reúne-se pessoalmente uma vez por mês. E lá estava eu, em um domingo frio e chuvoso do fim de maio para me encontrar com pessoas até então desconhecidas, unidas por um interesse comum.

Fui super bem recebida até mesmo antes do encontro. Recebi e-mail explicando como chegar e como seria a reunião. Levei alguns materiais de limpeza para ajudar (o espaço é todo colaborativo, então quem pode leva algum lanchinho para o coffe break ou papel higiênico, por exemplo). Éramos eu e mais quatro pessoas naquele dia, pois a chuva atrapalhou os planos de alguns. Mas as três horas de encontro passaram como se fossem trinta minutos! E eu que não sou muito chegada em tecnologia, tive que dar meu braço a torcer! Valeu a pena! Quem quiser participar, é só pedir autorização e fazer parte do grupo, para conhecer um pouco mais sobre a CNV. Eu só não garanto que uma vez ou outra não escorra uma lágrima por lá, pois, como lembra Viviane Mosé:

“A maioria das doenças que as pessoas têm
são poemas presos.
Abscessos, tumores, nódulos, pedras são palavras calcificadas,
Poemas sem vazão.
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado.
Prisão de ventre poderia um dia ter sido poema.
Mas não.
Pessoas às vezes adoecem da razão
De gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida
Escorrendo em estado de lágrima”

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Estela Marcondes

Estela Marcondes é Terapeuta Ocupacional, acompanhante terapêutica e encantada pelas "linguagens" do mundo, além da verbal. Algumas vezes pensa que a palavra foi inventada por alguém que estava com preguiça de usar os outros sentidos para dizer como se sentia. Adora LIBRAS, dança, trabalhos manuais, música, observar demonstrações explícitas de carinho e elefantes!

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