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Por trás do olho mágico

A noite oculta quem nos espia em silêncio e sigilo pela lua.

por Flavio Lobo, 3 de setembro de 2020
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Pelo olho mágico da velha porta descascada ela olha, com a sua vestimenta tenta não revelar-se, com a sua natureza busca engrandecer-se, pois ela não é visível aos olhos desenganados que leem as mensagens do outro lado da porta: “É proibido atravessar”, “Por favor, identifique-se”. Quase ninguém o fazia, porém. São poucos os que veem seu olhar através do olho da porta, e menos ainda os que enxergam a si mesmos. Através do olho mágico, quem está por dentro avista perfeitamente o que há do lado de fora. Assim ela o olha, vê o desconfiado semblante do humano semelhante que para, tenta entender o motivo de tanto zelo, pois por se-lo, não seria o suficiente? Por que e para quem identificar-se, seus números não são o seu registro em matéria de  mundo?

Em meio ao breu, ela nos vê pelo olho do espaço. A lua, solitária no céu da nossa noite, faz o seu papel de olho mágico. Por trás do espaço, ela nos vigia. As suas vestimentas de não revelar-se são as mesmas, poucos enxergam seu olhar na lua. Somente após um período de grandes tormentas, um misterioso canal finalmente se restabeleceu. O marasmo posterior imperava, o que levou cada vez mais pessoas a desconfiar que um certo alguém nos vigiava por detrás da imensidão calada da noite, véu que oculta a quem nos espia ressabiada, espia em silêncio e sigilo pela lua.

(No fundo da imagem o farol do último trem da noite avança, avança). (O oposto: A escuridão do túnel e no seu final a claridade que arde, o dia grita liberdade).

“Cuidado: sinuosa trilha”, “Mais uma vez: É proibido atravessar”. Já nos confins da mata, ainda mais a fundo se adentra, distante da estreita trilha que outrora conduzia, e também impedia. De repente o barulho da floresta cresce, cresce anunciando a luz que vai se aproximando, passo a passo, como se viesse de um corredor escuro valendo-se de sua iluminação, seguia um caminho onde ainda não há trilha. Quem segura a lanterna e está por detrás dela?

 

MAC-USP

Presente e passado (Giorgio de Chirico, 1936)

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