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Você é mais doída que quarta-feira de cinzas

De quando o Carnaval não vale de nada.

por Caio Blanco, 1 de fevereiro de 2016

Meu despertador tocou às oito e meia da manhã do sábado de pré-Carnaval. A primeira coisa que me veio à cabeça, instantaneamente, foi o rosto dela. Era tão nítido e real que parecia ter sido pintado no teto da na minha retina pelo maldito Michelangelo. Fechei os olhos e a imagem permaneceu. Agora, ela sorria. Sorriso bonito do cacete. Balancei a cabeça para espantar sua imagem, mas tudo que consegui foi uma leve zonzera e um apito no ouvido.

Saí da cama num salto, como se a pressa em fazer as coisas pudesse, de maneira qualquer, apagar a parte dela que ainda pulsava em mim – no caso, toda ela ainda corria por minhas veias. Corri para o banho, apressei-me no café; corri para a padaria, apressei-me em abrir uma cerveja; corri para ligar para uns amigos e apressei-me para o bloco. Corri, corri, corri. Parecia que ela, desde que havia terminado comigo, tornara-se uma maratonista queniana, pois acompanhou-me com destreza por todas – TODAS – as situações das quais tentei correr dela.

Mas eu estava obstinado a concentrar todas as minhas energias no pré-Carnaval e no Carnaval em si. Parecia ser mesmo a minha única saída ao estado miserável de sofrimento em que me encontrava. Uma daquelas bobeiras da vida: achamos mesmo que vamos encontrar solução para o que quer que seja em metáforas. Um carnaval, um novo amor, uma despedida de solteiro, um ano novo, um aniversário, o nascimento de uma criança na família. Nada dá jeito, garanto. Seja recebendo uma massagem à beira de uma praia em Bali ou ali, tentando me embebedar de cerveja quente no centro de São Paulo, eu sabia muito bem: aquela imagem, aquele rosto, ainda seria minha detestável companhia por mais alguns meses.

Eu deveria estar gostando de tudo aquilo. Afinal, o que há para não se gostar em um bloco de Carnaval? Um amontoado de pessoas suadas, ouvindo uma música distante, estapeando-se por bebida ruim e todas morrendo de vontade de fazer xixi. A verdade é que eu sempre amei o Carnaval, desde que eu era um catatau e minha mãe me vestia de pirata para o bloco do clube da cidade – que possuía ótimos banheiros e nenhuma fila. Eram os quatro dias no ano em que eu possuía licença para ser evidentemente estranho sem receber olhares ultrajados, já que todo mundo o era. Mas eu estava detestando aquele Carnaval, especificamente, isso era certo. Tudo o que conseguia pensar era na vontade latente de estar em casa, dentro da caverna escura do meu quarto, assistindo House of Cards com ela. O que é bastante estranho, dado que nunca fizemos isso quando eu costumava namorá-la (tenho dúvidas se ela, algum dia, me namorou). Eu sequer já assisti um episódio de House of Cards, mas ali era tudo o que eu queria fazer. Nada mais, nada menos.

É engraçado como nosso cérebro é capaz de ser completamente contraproducente e sentir saudades daquilo que sequer aconteceu. Sofrer de amor é, definitivamente, uma falha de automação cerebral muito grande e será nossa grande ruína (se os dinossauros não governam mais esse planeta, garanto a você, tem muito mais a ver com os problemas do coração do que com qualquer meteoro).

Não arredei o pé e tentei, quase que como se a desafiasse, divertir-me o máximo que pude. Temos dessas coisas também, não é? Desafiar quem sequer está reconhecendo nossa existência. “Agora você vai ver só”, pensamos, apenas para constatarmos, algum tempo depois, que não possuímos poderes telepáticos e a pessoa jamais deu ciência de nossa desobediência civil.

No fim de mais um dia de pré-Carnaval, estamos na mesma: cheios de purpurina, brilhando o corpo mas com o coração enegrecido, de pés inchados e doídos, de ressaca sem termos ficado bêbados, pensando internamente em quantas parcelas teremos que dividir o Camarote Salvador que nosso amigo convenceu-nos a ir para podermos esquecer de vez essa moça que, veja só, voltou e está, mais uma vez, estampada no teto escuro do nosso quarto quarto, com aquele sorriso bonito do cacete, acenando as mãozinhas e dizendo que amanhã é domingo, ainda é pré-Carnaval, vale a pena tentar ser feliz mais uma vez.

Até assim, zombando de mim, fica linda. Maldita.

Caio Blanco

Caio Blanco, 24 quase 25, só sabe existir em crise. Tem asma, mas fuma. Pouco, mas fuma.

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