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As banquetas de Ju Amora

Um papo com a moça que produz arte em objetos do dia a dia.

por Adolfo Caboclo, 13 de janeiro de 2015

Era fim do ano passado. No meio da cafeteria, minha mãe me observa tomando um chá de hortelã e dispara:

— Ô filho, acho tão legal você ser publicitário.

— Eu não sou publicitário, mãe.

— Mas você fez ESPM…

— Sim, fiz. Mas isso foi apenas uma pequena parte da minha formação. Diga-se de passagem, uma parte que eu acho bem legal. Visto que o publicitário, por muitas vezes, é um ser que geralmente abdicou de algum sonho criativo pra ver o mundo como ele realmente é: feio e selvagem. O publicitário é um profissional da comunicação que não aceitou a inocência e o idealismo e, se você for pensar bem… de uns tempos pra cá eu ando achando o publicitário um dos tipos de comunicólogos mais “honestos” — ou pelo menos nem tão desonesto. Veja o exemplo dos jornalistas: ao contrário deles, publicitários se assumem persuasivos. Jamais persuadem sem assumir suas posições.

Madre me olhou com cara de interrogação e perguntou.

— Então o que você é?

— Sou um contador de histórias mãe. Eu aprecio e repasso narrativas. Seja através de uma marca, seja através de um texto ou de um evento. Um contador de histórias. Cada pequena coisa que interfere nossa vida, de alguma forma, é uma narrativa. Por exemplo, essa banqueta na nossa frente, ela foi pintada por uma moça enquanto a galera tomava um café aqui nos arredores. Isso é uma singela e bonita narrativa. Tem história, alma e suor no meio disso.

Claro, quando eu disse isso, nem imaginava que algumas semanas depois eu encontraria a moça que pintou as tais banquetas em uma feirinha na Liberdade. E assim começou a minha narrativa sobre as tais banquetas “narradas” por Ju Amora. Tudo foi coroado com a entrevista abaixo.

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Não Só o Gato: Andei fuçando sua história pela internet e vi que você fez um caminho relativamente conhecido: ir pra Europa, abrir/arejar a cabeça e voltar com a vontade de ter uma ideia nova. O que você acha que você fez de diferente para que — ao contrário da maioria — tivesse conseguido, de fato, achar essa tal “ideia nova” e, principalmente, tornar essa ideia nova viável?

Ju Amora: Pois é, a viagem pela Europa acabou surgindo no momento certo. Estava no meio de um turbilhão de pensamentos. Já havia decidido largar o meu antigo emprego para ter algo meu, mas não sabia exatamente o que. Visitar o velho mundo é sem dúvida nenhuma uma grande inspiração. Mas, voltei da viagem ainda sem uma resposta. Então olhei para o meu antigo apartamento, que já era todo mobiliado e me perguntei: o que eu gostaria de ter aqui? Que ainda não tenho, que fosse prático, bonito e não me ocupasse tanto espaço.

E as banquetas me vieram quase que instantaneamente. A partir daí comecei a pesquisar o que havia de opções no mundo quando se tratava de banquetas. Percebi que ainda não existia ninguém que se dedicasse a fazê-las de maneira pessoal e única. Acho que o diferencial foi exatamente esse. Descobri algo que seria bom pra mim, então conseguiria tornar bom para outros.

Não segui os empreendimentos da moda , fui intuitiva e ambiciosa em querer fazer algo realmente meu. Algo que ainda não havia sido feito, pelo menos não desta maneira. E viabilizar esta ideia foi uma questão de tempo e muita dedicação. Foi acreditar e bancar ela. Foi isso que eu escolhi, então é isso que vou fazer! Amo o que faço. Durmo e acordo com o Ju Amora na cabeça e isso me faz feliz. Acredito que se uma pessoa encontrar algo que a faça feliz, a pessoa encontrou o seu caminho. Tive a sorte de encontrar o meu.

NSG: Eu não sei o seu nome de verdade, como ele ganhou “Amora”? Desde o nome do seu ateliê até as cores e materiais que você leva pro seu trabalho, eu sinto uma coisa muito alegre e com uma relação com a arte urbana — especificamente paulistana. É isso mesmo?

Ju: Meu nome é Juliana Amorim Carvalho.

A história do Amora é uma mistura de histórias. Sempre soube que teria um negócio meu e que ele chamaria Ju Amora. Não sabia o que seria ainda, mas, lá atrás já achei que seria um bom nome para um restaurante natureba (risos).

O Amora é um nome afetivo, me lembra a minha infância. Sempre colhia amoras na árvore do vizinho, fazia uma dobra na camiseta e enchia de amoras. Minhas roupas ficavam todas manchadas, minha mãe “adorava”. O meu primeiro sobrenome é Amorim, tive um namorado que reparou que eu tinha amor no nome, é um pouco piegas, mas, achei tão lindo! Sou uma romântica incurável. Acredito no amor acima de todas as coisas.

Descobri que Amora, é o feminino de amor. Pronto!  Era mais do que justo ter Amora no nome.

Ele representa exatamente o que quero transmitir com o meu trabalho. Quero ter esta relação afetiva com o meu trabalho e com as pessoas que apreciam ele. Sou uma pisciana de riso fácil e apaixonada pelas décadas de 60 e 70. Acho que isto representa bem minha personalidade, que acaba sendo refletida no meu trabalho.

Amo as cores, padrões, estampas natureza, arte! E viver numa cidade como São Paulo, é ser absorvido por todas essas coisas. São Paulo me inspira, desde os padrões nas roupas que desfilam pela Rua Augusta, até as árvores do parque do Ibirapuera.

Acho que acaba passeando pela minha arte exatamente como faço por São Paulo. Em alguns trabalhos aparecem coisas muito urbanas, com traços de grafite. Em outros, japonismos do bairro da Liberdade e também as flores e árvores do parque do Ibirapuera. Sou um reflexo das coisas que vou vivendo. São Paulo é sem dúvida a matéria prima de tudo isso.

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NSG: Vi algumas imagens do seu ateliê e ele é um show à parte. Acredito que ele seja muito mais do que o lugar de onde saem os seus banquinhos, ele parece ser um ponto efervescente da sua vida, não? Me fala mais dele!

Ju: Fico feliz em saber que gostou. Meu ateliê é meu refúgio.

É um lugar que amo estar. É uma extensão da minha casa, (literalmente) e também uma extensão de mim.

Escolhi transformar a edícula da minha casa em meu ateliê, porque tem exatamente tudo que preciso ter para me inspirar e trabalhar feliz. Não preciso pegar trânsito para começar a trabalhar. Falaria esta frase cantando (risos)!

Passo por minhas plantas para chegar ao ateliê, passo o dia produzindo e sendo visitada, vez ou outra, pelas minhas cachorras. É uma delícia e um privilégio trabalhar assim. Realmente meu ateliê é um ponto importante na minha vida. Mais que um espaço de trabalho, ele representa o meu momento de vida e sou absolutamente grata quando piso nele. Espero que venha aqui em breve para conhecê-lo pessoalmente! Tomar um café e jogar conversa fora.

NSG: De todos os materiais e técnicas que você já usou para fazer seus bancos, qual que você falou “nossa, esse ficou foda” e qual você falou “não rolou”.

Ju: Estou numa fase de naquim e aquarela, estou achando delicioso trabalhar com estes materiais. Adoro também o neon.

Quando fiz a primeira banqueta com luz neon, acho que falei exatamente isso. “nossa, esse ficou foda”. O que acho que não rolou foram uns pompons de lã que eu fiz, acho que foi muito trabalho para pouco resultado estético. Tem um material que fica entre os dois, no foda e no não rolou… Mosaico. Acho que é algo que quero explorar mais no futuro, para definir se rolou ou não. Ainda não sei dizer.

NSG: Você é muito plural: conheci seu trabalho no Café Urbe, onde você pintou banquetas no meio da cafeteria, depois te vi em um bazar de natal, agora conheci melhor o seu site, todo o seu relacionamento com blogs e coisas do tipo. Aonde a Ju Amora gosta mais de aparecer? Aonde mais a Ju Amora quer chegar?

Gosto muito de aparecer em lugares onde exista uma troca de experiências. Lugares ligados a arte, moda, gastronomia, cinema. O Urbe é um bom exemplo da junção de tudo isso. É um lugar que sempre gostei de frequentar e ter peças minhas lá é demais!

O Mercado Mundo Mix também. Participei da edição de novembro e foi incrível! Gosto de aparecer em lugares que tenham a minha cara e as vezes ser surpreendida por lugares que não imaginava. É assim com os blogs também.

Onde quero chegar? Boa pergunta para as resoluções de ano novo! Quero me manter em lugares interessantes e aparecer em novos lugares, física e virtualmente. A resposta pode parecer um pouco rasa, mas são tantas possibilidades, que a melhor maneira que encontrei para definir foi assim.

NSG: Tem alguma pergunta que eu não fiz e que você queria que eu tivesse feito?

Achei todas as perguntas ótimas! Não poderia ter feito melhor. Obrigada pela delicadeza em fazer cada uma delas. Adorei responder, me fez pensar e lembrar de muita coisa. Obrigada também aos leitores do Não Só o Gato, por me permitir compartilhar um pouco da minha história com vocês.

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Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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