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Cara lavada virou contracultura?

por Adolfo Caboclo, 29 de maio de 2014
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Faz duas semanas que fui pego pelo inconformismo. Minha timeline do Facebook, sempre tão cheia de opiniões ditatoriais, apareceu tomada por inúmeros posts enaltecendo o ensaio De Cara Lavada — que consiste no retrato fotográfico de alguns famosos sem o recurso da maquiagem e do photoshop. Enfim, logo quando vi, pensei: “que porra é essa? Qual seria a grandiosidade e a peculiaridade em ver atores sem maquiagem?”

Então comecei a refletir sobre algumas informações que baixaram na minha memória. Como a do fotógrafo Chuck Close, que em fevereiro clicou algumas celebridades sem maquiagem para a Vanity Fair (abaixo seguem as fotos dos “colírios” Scarlett e Brad que resultou nesse ensaio).
BRADESCARLETT

Também lembrei que, no mesmo mês, eu começava a fazer o ensaio “50 barbas paulistanas“, onde eu simplesmente fotografo alguns barbudos pelas ruas de São Paulo. Esse ensaio também foi feito sem qualquer uso de photoshop ou maquiagem. Ele acabou sendo amplamente divulgado em blogs, tornando-se, por exemplo, a matéria mais lida daquela semana no Catraca Livre.

Foi então que eu comecei a me perguntar se o não uso de maquiagem virou uma coisa tipo “o fusca” — era mainstream, aí virou uma coisa desagradável, e hoje é cool — ou se essa fascinação da galera por rostos sem base era uma parada meio que filosófica. Não sei, às vezes o não uso da maquiagem poderia significa a queda de “máscaras sociais”, uma revolução clown diante dos sentimentos contemporâneos ou algo do tipo. Sei lá! O que não falta é doido pra ter uma interpretação complexa sobre isso…

cara_lavada

Então descobri que o tal ensaio Cara Lavada, no qual se baseou nas fotos da Vanity Fair, virou uma exposição (que inclusive, encerra no dia 31 desse mês na faculdade Belas Artes). Me pareceu muito coerente ir à exibição para descobrir o que de fato as pessoas viam de tão especial nas tais fotos.

Ao chegar lá, ficou bem claro que essa foi apenas uma boa ação da revista Glamour, idealizadora do evento  o que foi a descoberta de uma grande peça para meu quebra-cabeça mental , já que o ensaio saiu em um veículo sem aquela “veia artística” e foi clicado pelo Cristiano Madureira (detentor de prestígio em ensaios específicos de moda), o que faz do ensaio algo realmente diferente para a linha editorial da revista, seu fotógrafo e parte do público da Glamour. Já que estava na exposição, também resolvi entrevistar algumas pessoas que também circulavam por ali.

Como a exposição era em uma faculdade  essa sim, com extrema veia artística , entrevistei exatamente dez transeuntes que passavam por lá. Todos com com aparência cool, entre 20 e 30 anos, muitos deles estudantes de arquitetura e artes plásticas. Não posso negar que as entrevistas foram absolutamente decepcionantes.

Perguntei para eles o que faz a exposição Cara Lavada ser tão curiosa e estar sendo tão compartilhada no Facebook, e todos responderam que o curioso era o fato de ver um artista, com toda a sua aura de celebridade, aparecer com uma aparência mais humanizada, de “gente como a gente”. Não que essa não seja uma uma resposta honesta, mas é só isso? Ainda mais entre pessoas de um núcleo artístico da cidade? Juro que esperava, pelo menos, uma resposta mais reflexiva. Estou sendo muito exigente/chato?

A verdade é que, depois disso, ficou mais claro na minha cabeça que as pessoas consomem em seu dia a dia, cada vez mais, as mídias que mostram apenas imagens “maquiadas”. O não uso de maquiagem não tem um valor simbólico, quer dizer: tem, mas o que a maioria das pessoas fazem diante dessas fotos é uma simples avaliação estética da celebridade sem a maquiagem. E depois segue em frente, assim como a revista Glamour, que continuará seguindo com seus ensaios recheados de photoshop e maquiagem. Chegará o tempo que a cara lavada virará contracultura?

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Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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