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Cowboy Tattoo Parlor

A moradia de cinco artistas que transformam e eternizam obras de arte

por Antônio Lagreca Nicodemo, 29 de outubro de 2014

E é com cheiro de café fresco, um cachorro cheirando o sapato e abraço apertado na porta que estreio nesse site.
Assim sou recebido todas as vezes que entro na casa. Com aquele clima de visita querida e esperada, sabe?

Localizado em São Paulo, na Rua Rocha, próximo a praça 14 bis, o Cowboy Tattoo Parlor é a moradia de cinco artistas que transformam e eternizam obras de arte. O local, que te abraça com cada detalhe, já está na ativa há oito anos.
Depois de muito tempo tatuando em grandes estúdios de SP, Cowboy, o grande idealizador e maestro da banda de Midas, alugou a casa com seu companheiro e sócio na época.

Percebendo que poderia receber seus clientes de uma forma mais carinhosa e pessoal, assim como se recebe um parente ou uma visita, deu início a toda brincadeira. Começaram com o pé direito tatuando na primeira semana a atriz Leandra Leal, fashionistas, pessoas da mídia, assim como os antigos e novos clientes que foram se tornando amigos e difusores da arte. “Deixei de ser um morador para ser um feliz zelador desse espaço.”

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O estúdio parece ter outro tempo. É uma visita prazerosa a um clima que te faz esquecer que está rodeado de prédios e massa cinza. Dá pra se passar o dia conversando e vendo as carpas, fumando seu cigarro, lendo e estudando sobre tatuagem ou até mesmo brincando com o Tatu, o mascote Bull Terrier da família que parece que não é de grandes amizades mas é cheio de charme.

Cowboy, que há 20 anos se debruça na paixão de tatuar, nos abriu de forma generosa a sua porta:

Não Só o Gato: Quando você começou a tatuar? Qual foi sua primeira tatuagem? E qual foi a sensação ao ver sua primeira obra no corpo de uma pessoa?

Cowboy: No verão de 1993 me mudei de São Paulo para Florianópolis, estava fugindo da loucura daqui. Eu era um cara de 29 anos buscando emprego como ilustrador publicitário que era meu ofício naquela época. Fui cobrir uma tatuagem caseira que eu tinha e acabei me tornando amigo dos tatuadores, que olhando meu portfólio me convenceram a tentar tatuar alguém. Como sempre tive um lado meio mórbido achei que seria uma boa experiência. O cobaia era um cara todo tatuado e com poucos espaços no corpo, era primo de um tatuador local e serviu a vida toda como tela. O apelido Magoo era porque enxergava mal pacas. Duas vantagens para mim, se ficasse ruim seria apenas mais uma (risos) e ele não poderia ver muito bem o resultado pela visão falha. Tatuei nele uma pequena aranha na perna que ficou até legal por ser a primeira. Dessa forma o mundo da publicidade acabava de me perder para a tatuagem.

NSG: Qual a maior dificuldade nesse mundo da tatuagem?

Cowboy: Muita coisa mudou desde que comecei. Você tinha que ter um mestre, soldar suas agulhas, o material era precário pois a tatuagem vista como arte era algo novo vindo de fora. Rolava um pouco de preconceito, mas acho que por medo ninguém falava nada. Uma pessoa tatuada era alvo de um misto de admiração e temor. Somente os mais rebeldes e inovadores faziam. Hoje está bem mais fácil, o mercado está repleto de materiais para tatuar, compramos as agulhas soldadas, aprende-se com workshop e pela internet, e qualquer um com mais de 18 anos pode ter tatuagem. Acho que a dificuldade no momento é conscientizar a sociedade sobre o valor da arte, do tempo, estudo e dinheiro empregados na confecção, da atenção aos cuidados com a higiene e segurança, e não deixar que a pessoa faça um tipo de tatuagem só porque é a tendência do momento.

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NSG: Qual a tatuagem mais bizarra que já te pediram?

Cowboy: Um cliente pediu uma tatuagem que era uma alça de sutiã preta, ficou interessante principalmente quando ele usa algo decotado. Teve também uma lista enorme de nomes de namorados nas costas que iam sendo riscados a medida que a fila andava.

NSG: Tatuagem e o Preconceito. Como é vista hoje em dia perto de antes? O que mudou?

Cowboy: O que mudou foi que a mídia adotou a tatuagem como um estilo de vida de uma pessoa bem sucedida. Uma boa tatuagem custa caro. Hoje a vemos nos jogadores de futebol, cantores, atores e personalidades do mundo da moda. Tornou-se normal um cantor de RAP ou Funk aparecer no programa dominical ostentando uma tatuagem na cara. Isso tem o lado bom e o ruim, pois banaliza a arte, o que antes era um estilo de vida virou moda. Gosto muito de tatuar pessoas em que vejo a total paixão pela tatuagem, assim como eu. Mas reconheço que isso também sustenta muitos profissionais, e sei que a arte vai superar os modismos e virá firme nas próximas gerações.

NSG: Você sofreu algum tipo de preconceito no decorrer da trajetória por conta da sua sexualidade?

Cowboy: Minha orientação sexual nunca foi segredo, mas gosto de manter fora do ambiente profissional. Sou um tipo “low profile”, já pratiquei Jiu e dei aula de Boxe sem nunca ter que fingir ou mentir algo sobre mim. Meus amigos me aceitam e isso é o que importa, pois eu também os aceito independente da orientação. Além do mais já sou um cinquentão e ando bem sossegado com isso (risos).

NSG: A sensação do estúdio é de uma casa de família. E realmente é. É notório o carinho que você tem por cada profissional e o respeito que eles tem com você. Qual a sensação quando você vê o tamanho disso tudo e a procura desses artistas emergentes pela sua casa?

Cowboy: Minha equipe é minha família, trabalhamos, cozinhamos, festejamos e enfrentamos as dificuldades juntos. Foram aparecendo um a um no tempo certo. Foi algo que pedi ao universo, pessoas evoluídas amorosas e cheias de garra. É um grande prazer poder dar oportunidades pois a vida me deu muitas, importante passar o conhecimento adiante assim como muitos me passaram, acho que é meu legado devolver ao mundo tudo de bom que ele me deu, dessa forma consigo deixar um pouco de mim aqui quando partir. Eles me ajudam e me ensinam muito. Estou aprendendo a ser um líder, o que não é fácil, tenho que estar sempre atento contra o ego, contra as injustiças e atento às necessidades de cada um. Se o cara se deixa levar acaba se tornando um tirano arrogante. A primeira palavra é o amor, a segunda é respeito. Acho que é por isso que está dando tão certo e atraindo outros interessados na mesma frequência.

NSG: Me fala um pouco da linguagem de cada um que compõe sua equipe.

Cowboy: Vamos lá. O Felipe é o mais antigo, ainda em busca do próprio estilo e é bastante versátil. Manda bem em escritas, tribais, old school, e tatua muitos trabalhos autorais e free-hand. Tem uma garra que me lembra muito a mim na mesma idade, sedento de se aperfeiçoar. É sorridente e barulhento, nosso menino de ouro.

Fernandinha já veio com uma certa experiência, pois estagiou em dois estúdios antes de vir trabalhar comigo. Artista gráfica de mão cheia, trabalha com a mesma desenvoltura na pele quanto no computador onde gera imagens incríveis que transfere para a pele.Muito profissional, delicada no trato e na máquina, linhas finas, cores aquareladas e com linguagem moderna. Nossa amada Hispter.

Ariel apareceu pedindo um estágio e acabamos adotando. Seu estilo visual e musical destoam dos demais. Metaleiro, cabeludo e grandalhão, 19 anos de pura indolência, mas ao mesmo tempo puro, humilde e esforçado. Tatuou pele de porco, sua própria coxa e alguns amigos cobaia que vem angariando. Esta indo bem no aprendizado da tatuagem e no dia a dia de um estúdio, e quando sair daqui estará pronto para abrir sua própria loja, sabe tudo, da limpeza ao atendimento final pois começou cedo e terá uma vida inteira para formar-se como profissional.

E finalmente a Lúcia, nossa Luvita. Veio com uma bagagem artística, com alguns cursos de arte, criando e vendendo desenhos para tatuagem, já ilustrou capa de livro e é poetisa (além de ser linda!). Seu trabalho é delicado e conceitual, linhas finas, arabescos e pontilismos são seu forte no momento, mas tem potencial para ser explorado e está o tempo todo desenhando. É a flor que enfeita nosso ambiente. São essas as minhas apostas no momento, e espero vê-los brilhando muito no futuro.

Obrigado pelo espaço e pela honra de ser o primeiro entrevistado! Convido a todos que queiram ser tatuados em um ambiente gentil, bucólico e com bons profissionais e boas pessoas a virem nos conhecer e tomar um café na nossa cozinha ao ar livre olhando os pássaros e as carpas, vamos ouvi-los e fazer de tudo para transformar desejos em realidade. Sucesso e vida longa ao site!! Namaste!!

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Se você é apaixonado pela arte da tatuagem visite a familia do cowboy. Eles te receberão de braços abertos. Assim como me recebeu e recebe amigos muito queridos. Cada profissional com sua particularidade e linguagem distinta e uma única missão: tatuar!

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Fotos por Victor Lucredi

 

Antonio Lagreca Nicodemo

Antônio é ator, dramaturgo e diretor do Teatro da Neura. Tem o exagero como genética, tanto que possui seis incisivos. Acredita que Deus é uma gorda bem humorada e cínica. Ama cinema, tatuagem e fotografia. Pesquisador de Nelson Rodrigues e da escola Realista Fantástica, prefere brechós a shopping e acredita que um dia, ainda será Miss Brasil.

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