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De toda a maldade

No final das contas, ainda somos macacos com medo da magia do fogo.

por Adolfo Caboclo, 11 de agosto de 2020

Quanto mais envelheço, mais me encanto com a forma com que certas pessoas lidam com sua maldade particular. Neste planetinha azul – onde favelas, pandemias e desmatamento pipocam –, cada habitante carrega no peito seu próprio inferninho. Alguns o administram, outros o negligenciam.
“O medo leva à raiva, a raiva leva ao ódio, o ódio leva ao sofrimento”. Essa frase é do Mestre Yoda – jedi querido por todo fã de Star Wars –, me lembrei dela há algum tempo atrás, nos piores momentos da minha vida. Daqueles de ficar chorando em posição fetal debaixo do chuveiro.
Nessa época, me flagrei cheio de medo, pulsando ódio e sofrendo horrores. Hoje, acho que as coisas estão administradas, foram enfrentadas. Depois de algum estudo, horas de meditação e muitos rounds de boxe, entendi que o medo jamais vai partir, mas ele pode ser gerido. Quando isso acontece, uma cadeia de sentimentos negativos é interrompida. Lá no oriente, se diz que primeiro se torna um guerreiro, para depois se tornar um sábio. Faz todo o sentido.
Posteriormente, conheci a ideia budista de que o contrário da felicidade não é o sofrimento, o contrário de felicidade é o medo. Então esses pensamentos se consolidaram em minha caixola.
Com o medo gerido, percebemos que fazemos parte de uma série de prisões imaginárias. Esse monte de coisas que só existem na nossa cabeça – culpa, horários, tristeza de domingo ao ver o Faustão –, uma monstruosidade de ideias que não existem na natureza. E mesmo se percebermos essa inexistência, não teremos coragem ou condições de quebrar tais correntes invisíveis. Somos reféns dos nossos próprios fantasmas.
O sociólogo francês Edgard Morin fala algo parecido, diz que “arte é magia”. O mais cético dos homens se incomoda ao ver a fotografia do próprio filho tendo seus olhos furados por uma agulha. Como poderíamos explicar para alguém oriundo de uma outra civilização, que um mesmo tipo de pedaço de papel vale dois ou cem reais? Pior: Como explicar que o dinheiro não é simplesmente um pedaço de papel?
No final das contas, ainda somos macacos com medo da magia do fogo. Apenas aprendemos a temer novos feitiços.
Correntes sociais invisíveis, códigos, absurdos. Como o preconceito e a inveja.
Na semiótica de Charles Anders Peirce, o preconceito é sugerido através da lógica dos significados cristalizados. Estamos tão enfeitiçados por ilusões, que isso chega a nos impedir o desenvolvimento e interpretação de signos – a tal da semiose. Acreditamos no que queremos e negamos fatos irrefutáveis, podemos renunciar tudo que é razoável em nome do mais xucro dos “mitos”, para isso basta soltarem mensagens que ecoem com o que temos de mais primitivo em nossos egos.
Temos medo de termos sido equivocados e babacas durante toda a nossa vida, por isso seguimos sustentando nossos preconceitos.
Inclusive, negligenciamos um ciclo escravagista que lidava com seres humanos reais pelo bem de uma economia intangível. Escravizamos, matamos e desmatamos em nome de um deus mercado criado pelos próprios homens.
Já a inveja é relacionada com a ativação do sistema de recompensa do nosso cérebro. Ela sugere uma sensação de prazer reduzida, nasce da ideia de que qualquer tipo de recompensa (atenção, amor, Trakinas e tudo mais que gere prazer, ou seja, dopamina) poderia ter sido maior se não fosse o outro. Para o invejoso, o semelhante é o culpado.
Essa premissa do sistema de recompensa do cérebro foi muito estudada pelo psiquiatra estadunidense James Olds, que fez pesquisas, principalmente, com eletrodos posicionados em cérebros de ratos. Os eletrodos ficavam em um sistema de neurotransmissão – o sistema mesolímbicomesocortical –, conhecido como sistema de recompensa do sistema nervoso central. Essa estrutura fica no nosso sistema límbico, onde se encontra o sistema dopaminérgico – o tal sistema de recompensa –, este presente em todos os mamíferos.
Criamos uma memória de prazer para cada coisa que nos gera dopamina. Deste modo, o sistema de recompensa é um importante mecanismo de autopreservação. Quando temos inveja, de alguma forma, são nossos instintos mais primitivos sentindo medo de não serem preservados.
No campo do neuromarketing, publicitários afirmam ter descoberto a parte do cérebro responsável por fazer as pessoas comprarem: o tal do núcleo accumbens. Que nada mais é do que a região cerebral estimulada no ato da compra.
Curioso pensar que em estudos da indústria alimentícia, já foi comprovado que existem três alimentos que ativam o sistema dopaminérgico de tal forma, que é capaz de viciar quem os consome. Esses alimentos são o açúcar, a farinha branca e a gordura. Nosso cérebro vicia nessas coisas por medo de ficar sem energia.
No final das contas, somos almas com um cérebro de macaco: covarde e, por consequência, pulsando ódio e sofrendo. Como seres humanos podemos entender isso e tentarmos controlar esse medo. Entender todos os tipos de feitiços que sofremos. Ou podemos pensar que somos seres apenas de luz e falar de Jesus enquanto fazemos arminha com a mão.
Lao Tsé diria: “quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão”.

 

Estudo após Retrato de Velázquez do Papa Inocêncio X (Francis Bacon, óleo sobre tela, 1953)

Estudo após Retrato de Velázquez do Papa Inocêncio X (Francis Bacon, óleo sobre tela, 1953)

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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