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E-Jovem, escola LGBT

por Fernanda Miranda, 16 de maio de 2013
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Ela seria só mais uma das casas residenciais na tranquila Rua José Camargo, em Campinas, se não fosse o cartaz na entrada escrito “Escola Jovem LGBT”. Liderada pela drag Lohren Beauty e por Deco Ribeiro, a escola, inaugurada no dia 13 de março de 2010, é a primeira do gênero no país. Fomos até lá em um sábado de céu azul ensolarado, e assim que descemos do carro ouvimos de dentro da casa muitas risadas, acompanhada da vinheta do Porta dos Fundos. O Deco nos recebeu na varanda, e foi de lá mesmo que desenvolvemos um papo. Durante a nossa longa conversa a risada de lá de dentro não cessava. Eu, como boa fã do Porta, reconheci alguns vídeos que estavam sendo vistos, como por exemplo “Entrevista”, e depois alguns do Terça Insana. No final do dia, depois de passar uma tarde inteira com o Deco e os alunos que estavam lá para o curso de performance drag queen (a Lohren estava ausente, fazendo show na Bahia), saí de lá com os ecos das gargalhadas em minha cabeça, e feliz por terminar o dia depois de ter conhecido um lugar não só curioso, mas principalmente transformador.

O Deco nos explicou a história do Grupo E-Jovem de Adolescentes Gays, Lésbicas e Aliados, ou simplesmente E-Jovem desde lá atrás, em 2001, quando eles ainda eram só um site. “A idéia do site era dar informação para quem estava se descobrindo e queria uma referência. Hoje tem muita divulgação, mas na época, 2001, não tinha. Não tinha novela, não tinha debate, na mídia não tinha nada. O jovem que se descobria gay se achava muito errado, muito equivocado, e não tinha pra quem perguntar coisas básicas. Então montamos um site que pudesse aflorar um pouco esse universo. Aí em 2002 a gente resolveu fazer um filme. Escrevemos roteiro, selecionamos os atores e gravamos.” O vídeo ao que o Deco se refere se chama “Meu cachorro é gay”, e como foi filmado em VHS, ainda não está disponível na internet. Mas ele promete que até o final desse ano estará no Youtube. “O legal do vídeo é que por causa dele a gente se encontrou pessoalmente para fazer alguma coisa. E o filme fala um pouco desse universo dos jovens daquela época. E o interessante – vou abrir um parênteses aqui – é que a gente fez um outro vídeo também do universo gay em 2009, chamado “Sander & Júnior”. Sete anos de diferença para o primeiro vídeo. E é legal colocar esses dois vídeos lado a lado, porque você vê que alguns elementos são os mesmos, como a sensação da família, a escola, só que o de 2002 não aparece a violência, já o de 2009 aparece muito forte essa questão”.

Um levantamento do Ibope realizado no final do ano passado mostra que quase 95 milhões de brasileiros tem acesso à internet, mas quando o projeto do E-Jovem começou não era bem assim. “A internet, naquela época, era acessada por 10% dos brasileiros. Para quem conseguia acessar o site era legal, mas e o povo que está aí fora e não consegue acessar? Como é que faz? Então a gente tinha que sair da internet para a rua para fazer alguma coisa. Lá pra 2003, 2004, a gente montou uma ONG que reuniria a juventude LGBT. E assim a ONG saiu pelo país inteiro, o povo de São Paulo se organizou, do Rio, de Amazonas, do Rio Grande do Sul, e aí vários grupos E-Jovem foram surgindo. A de Campinas virou a sede porque basicamente eu era um dos principais organizadores.”, afirmou Deco.

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Campineiro de coração nascido no Rio de Janeiro, ele veio para Campinas para estudar física na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e também estudou jornalismo na Faculdade de Campinas (Facamp). “Antes de ter esse espaço, a gente já teve outros aqui na cidade, todos emprestados. Só que não tinham equipamentos, eu não tinha a chave, não tinha nada.” Só que em 2009 a E-Jovem ganhou uma verba proveniente de um convênio entre o Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura e o Governo do Estado de São Paulo, que permitiu concretizar o sonho do Deco, a criação de um espaço físico. “Quando foi aprovado o nosso projeto, compramos os equipamentos, e aí foi divulgado que iria abrir uma escola gay em Campinas. A coisa pegou fogo”, disse. Ele me explicou que escolheu o nome “escola” propositalmente, para criar polêmica entre as pessoas e a própria mídia, para assim gerar debate. “Foi uma ousadia. Decidimos não chamar aqui de “centro cultural”, escolhemos “escola” porque ela é o espaço onde os jovens sofrem mais preconceito. As pessoas até achavam que aqui ia ser uma escola tradicional, com 1ª, 2ª série, só para gays. Aí pronto. O pessoal dizia: “Como assim? Que absurdo!” Ficaram revoltados, o pessoal da mídia, programas de televisão. A Danuza Leão fez um artigo metendo o pau.” E aqui é importante frisar que a escola não é exclusiva para homossexuais, héteros também são bem-vindos – como qualquer lugar que queira agregar, e não segregar, como mostra o Deco nesse texto em resposta às críticas. “Já tivemos tanto alunos, quanto professores héteros.” Ele disse que no dia da inauguração da escola toda a imprensa de Campinas estava lá, a revista Marie Claire (confira matéria aqui), e depois até o Fantástico foi lá (o vídeo está disponível nessa página). “Foi bem interessante, porque trouxe a visibilidade que eu queria para debater. Vieram me escutar e aí eu tive a chance de explicar, de ser ouvido. Mas foi muito difícil chegar até aqui, e até hoje a gente encara algumas coisas. Já teve gente que tacou pedra aqui, tacou ovo. Um dia acordei de manhã e tive que recolher cacos de garrafa.”

E mesmo com esse desafio diário, a escola segue muito bem, obrigada, depois de mais de três anos de existência. “A escola é um centro cultural, tão legítimo quanto qualquer outro. A gente trabalha com linhas de expressão artística, cênica e gráfica. Dentro dessas linhas todos produzem alguma coisa, seja ela um espetáculo, uma revista, um livro, um CD, um fanzine.”, conta. Eu tive a oportunidade de ler algumas das revistas e fanzines da E-Jovem, e me deliciei com um conteúdo que ao mesmo tempo é divertido e didático. Assuntos como AIDS, suicídio, religião, sexo seguro e até alistamento militar são abordados nas edições. “Aí depois toda essa produção é difundida para fora da escola. A ideia é ter um espaço onde você pode debater o universo LGBT e produzir em cima desse universo, que é tão oprimido fora daqui. E na verdade, o jovem procura esse grupo para se conhecer mais. Aqui dentro há toda uma vivência, e esse espaço é justamente para a convivência, para vir aqui e fazer as coisas.”

Sobre o curso de drag queen, o mais polêmico, mas também o mais esperado pelos estudantes, ele diz: “O curso existe para cada um desenvolver a sua personagem, conhecendo a sua drag queen interior. Depois de construí-la, eles vão montar um espetáculo que será apresentado”. “E o futuro da escola?”, questionamos. “Como a gente sabe que o recurso do governo vai acabar, a gente já plantou algumas sementes. Criamos mini kits com notebook, datashow, máquinas fotográficas e aparelhos de som para mandar para as próximas E-Jovem que irão abrir. A de Piracicaba já está funcionando, e em breve abrirá uma unidade em São Vicente, no litoral, e outra em São Paulo. Aqui vai continuar funcionando, essas abrirão, e a idéia é se espalhar pelo país”, concluiu Deco.

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Fotos por Adolfo Martins

Fernanda Miranda

Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato. Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.

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