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Esquecemos de Vetrúvio

Nossa risível memória.

por Adolfo Caboclo, 4 de agosto de 2020
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No século I a.C. viveu Marco Vitrúvio Pollio – arquiteto e engenheiro militar. Autor do único tratado de arquitetura da antiguidade. Homem que foi esquecido pela humanidade por cerca de mil anos. Mais difícil do que ser lembrado, é ser esquecido por mais de um milênio e só depois desse período ser lembrado.

O interessante foi que Vitrúvio, da mesma forma que observou e desenhou proporções de construções civis, também idealizou medidas ao corpo humano, criando uma ideia relevante – apesar de problemática – do seria um homem perfeito. O fato desses conhecimentos do arquiteto terem sido esquecidos durante a Idade Média, nos sugere que a antiguidade foi uma época em que a arquitetura e os desenhos de anatomia foram discutidos e realizados de forma mais pungente do que no milênio seguinte. Simplesmente, a humanidade esqueceu uma parte de seu conhecimento – involuiu por falta de memória, ostentando sua sina em não lembrar e ser esquecida.

Não lembro o que sonhei nesta noite; não tenho a menor ideia do que almocei cinco dias atrás: a memória do homem se esvai nas miudezas da vida. Se perde na falta de atenção, com o peso idade e perante tantas outras jornadas. Tecnicamente, deveríamos estimular mais o hipocampo – componente do cérebro, prodigioso integrante do sistema límbico, localizado nos lobos temporais, que ficam no ladinho do cabeção.

Na real, um fator influenciador para o indivíduo ser esperto é ele se lembrar do maior número possível de informações que teve contato – o tal do aprendizado. O menos esperto tende a não memorizar nem mesmo os nuances da ironia dos homens.

Me petrifico ao pensar, “a memória é uma proteína”. Não está armazenada em um HD ou em algum compartimento da cabeça. Ela simplesmente é uma proteína, tipo de meleca que fica girando no cérebro através de um telefone sem fio entre neurônios (sinapses).

Portanto, tudo que lembramos, toda a informação que nos significa, está em uma meleca proteica que só pode ser codificada pela nossa própria massa cinzenta. Esta faz questão de decodificar esse emaranhado de informações de forma duvidosa, parcial. Faz o material bruto das lembranças passar por uma ilha de edição que gera um filme infiel ao roteiro da vida.

No retorno de Vetrúvio para a memória da humanidade, no século XIV, Leonardo da Vinci aplicou as métricas do antigo arquiteto em seu desenho. Colocou no papel o tal “homem vetruviano” – pretendente da perfeição, corpo que se faz mundinho onde o umbigo é núcleo. Ainda assim, o “homem perfeito” já foi esquecido por mais de um milênio. Pobre de nós, longe da perfeição, esquecíveis e, logo mais, esquecidos. Hoje, nossa falta de memória nos leva para a Idade Média, caminhamos e caminhamos porque… esqueci.

 

O homem vetruviano de Da Vinci

O homem vetruviano de Da Vinci (1490)

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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