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La Tabacalera – De tabacos à pluralidade

por Fernanda Miranda, 1 de março de 2013
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Quando estávamos fazendo a matéria sobre a arte urbana de Madrid, um garçom que ouvia a nossa conversa em um bar nos sugeriu irmos a La Tabacalera, que fica na região de Lavapiés. Fomos e só de olhar aquele antigo e imponente edifício com inúmeros cartazes com a programação de lá, percebi que estava diante de um lugar que merecia uma matéria só para ele. O garçom tinha feito muito bem sua sugestão pois, como descobri mais tarde, seus muros abrigam algumas peças de arte urbana, como um bonito trabalho do incrível artista belga ROA – que também tem várias obras lindíssimas nos muros de Brick Lane, em Londres.

Mas se só citasse isso estaria excluindo o que a La Tabacalera é e representa para a cultura espanhola, que de fato é muito mais do que arte urbana. É um espaço de cultura, um dos mais completos que já vi, pois lá têm exposições, workshops, aulas de graça, baladas, um espaço para discussão, aulas de dança, sessões de cinema, música e um café.

A La Tabacalera foi construída entre 1780 e 1982, e originalmente abrigava a Fábrica de Tabacos de Madrid, que funcionou até o final do século 20. Foi só em 2003 que ela se transformou no que é hoje. E mesmo depois de tanto tempo podemos ver resquícios do que ela foi um dia – como plaquinhas avisando onde eram os laboratórios de controle, de qualidade, etc. Por isso a exposição que está acontecendo até abril, “Bosques de Luz” do José Manuel Ballester fez tanto sentido para mim e mais, tinha que ser exposta na La Tabacalera. Já explico por que.

Ballester é um pintor e fotógrafo madrileno que já ganhou prêmios de fotografia e já expôs em diversos lugares no mundo, inclusive na Pinacoteca de São Paulo. Eu não conhecia seu trabalho, mas só de entrar no primeiro salão da exposição – onde uma gigante tela da Santa Ceia vazia dá de cara com você – ele já me instigou muito. O resto do trabalho Exposiçãomostram panoramas de grandes cidades, como Xangai e Tóquio (mas que dão a sensação de estarem abandonadas); lugares vazios ou abandonados; lugares que estão em um processo de construção, mas no momento do clique estavam vazios. Em síntese, as fotos do Ballester me remetem a solidão, mas uma solidão necessária, um respiro, um momento bonito, que eram mostradas pelo seu rigor na simetria e na sua sensibilidade na maneira de enquadrar um espaço. Eu amo fotografia e meus olhos raramente tinha visto fotos tão belas, que se adaptavam tanto ao meu gosto e faziam tanto sentido para mim. E por isso – é aqui que eu queria chegar – é que nenhum outro lugar poderia abrigar essas obras. A La Tabacalera, por causa de sua estrutura antiga e por ser tão imensa, tem salas abandonadas e até sujas. Algumas das belíssimas fotografias de Ballester de um lugar abandonado estavam penduradas em paredes sujas e descascadas, ao lado de estantes quebradas cheia de pó. Então para mim o La Tabacalera virou parte da própria exposição (inclusive, há duas fotografias de salas abandonadas da La Tabacalera no acervo).

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Essa sensibilidade e beleza que vi na curadoria da exposição, também vi em todos os outros espaços que conheci no edifício, onde havia mais grafites e áreas de cultura. Talvez seja o lugar que eu tenha conhecido que seja mais democrático e cultural ao mesmo tempo. Um espaço incrível que, antes abandonado, virou um dos lugares mais vivos que já conheci. Para inspirar a nós, brasileiros, que gostamos tanto de derrubar a nossa história e construir em cima apenas o banal.

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E mais Ballester:

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Fernanda Miranda

Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato. Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.

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