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O universo fantástico da dupla Osgêmeos

por Fernanda Miranda, 7 de julho de 2014
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Lúdico, psicodélico, fantástico, do caralho. Essas foram as palavras que encontrei para expor minha sensação ao ver a mostra “A ópera da lua”, da dupla Osgêmeos. Onírico, disse também um amigo meu. De qualquer modo, por mais que a gente tente, não é tarefa fácil transformar em palavras a excitação que nos dá quando vemos com os próprios olhos a grandiosidade de alguns artistas. Ainda mais quando a gente vai “nu”, sem ter lido nenhuma crítica a respeito e nem visto nenhuma foto daquilo que está a nossa espera. Foi o meu caso. Fui tão nua que quase fui parar no endereço errado. A Galeria Fortes Vilaça, onde está rolando a exposição, tem duas unidades — uma em Pinheiros e outra na Barra Funda. Quase fui parar na primeira, mas me liguei a tempo. Fui do metrô Barra Funda à galeria andando, o que rendeu uns 20 minutos de caminhada.

A dupla Otávio e Gustavo Pandolfo, responsável pelas obras expostas, todo mundo já conhece. Nascidos em Cambuci, na região central de São Paulo, sobram entrevistas, críticas e até documentário sobre os irmãos, que foram pouco a pouco tornando-se um dos nomes mais importantes do cenário do grafite brasileiro. E merecem todo esse mérito. Além do Brasil, a dupla já fez trabalhos incríveis em cidades da Alemanha, Cuba, Estados Unidos, pintou fachada da Tate Modern, em Londres, e até trabalhou ao lado do inglês Banksy. O mais legal disso tudo, no entanto, não é nem o reconhecimento internacional, mas sim o fato de eles usarem a fama de seu nome para ajudar a espalhar cada vez mais o grafite por aqui. No documentário “Cidade Cinza“, que mostra a política de limpeza iniciada em 2008 pelo então prefeito Gilberto Kassab, quando muros grafitados da capital paulista foram pintados de cinza — inclusive uma obra gigante do Osgêmeos — , isso fica muito claro. Em determinado momento do filme, os irmãos recebem a permissão de refazer sua obra que tinha sido anulada pela tinta cinza. No dia da inauguração, Kassab, com toda a cara de pau que lhe convém, aparece no local e vai cumprimentar um dos irmãos, que diz algo como: “Pô, prefeito, a minha obra está aqui de volta, beleza, mas e as dos outros grafiteiros que são todo dia apagadas? Não pode apagar não”. Não preciso nem dizer a cara de tacho que o prefeito fez.

O que eu vi na galeria, porém, é bem diferente daquilo que se vê da dupla Pandolfo na ruas. A técnica é semelhante, mas como já explicou Otávio em entrevista à revista Trip, “o universo da arte contemporânea é outra coisa, não dá pra misturar”. Ao meu ver, o universo dos gêmeos dentro das galerias tem muito mais experimentações, mais texturas, detalhes e, por motivos óbvios, intervenções. Em suma, o mundo “de dentro” é tão impressionante e colorido quanto o “de fora”, mas com algumas perceptíveis diferenças, como o uso da escultura e das instalações interativas. Foi espantoso entrar na primeira sala da galeria e se deparar com aquela sala abarrotada de telas enormes por todas as paredes. O mesmo amigo que descreveu a exposição como “onírica”, acertou quando disse que aquela sala remetia ao fantástico presente em Alice no País das Maravilhas. Na verdade, a sala parecia ser um borbulhar de referências por todos os cantos. Naquelas obras do Osgêmeos vi ali talvez um Dalí escondido e uma semelhança com o imaginário de  Hayao Miyazaki. A referência à brasilidade também estava por todos os cantos. Foi delicioso ver nesses grafiteiros tão únicos a alusão às casas brasileiras, ao sertão, aos nossos cenários tão peculiares. Eu diria que essa exposição é feita pra ser “degustada”: com tanta cor e informação, é preciso parar, assimilar e saborear cada informação lentamente. A grandiosidade está nos detalhes de cada obra.

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A exposição continua, e num abrir de cortinas você se depara com intervenções e interações surpreendentes. Não quero me estender muito porque isso significa estragar a surpresa. Eu diria simplesmente: “vá”! Vá, porque vale cada minuto.

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Assim que entrei na galeria, reparei que num canto da sala, numa obra de tela rosada, estava escrita uma frase bem colorida e em letras maiúsculas: “Viver sem cor”. Essa seja talvez a maior luta travada pelos gêmeos. Eles vivem em um mundo de cores e seres amarelos em cenários fantásticos e, mesmo que provavelmente depois alguém vá cobrir essa paisagem de tinta cinza, eles continuam nesse constante embate por um mundo mais colorido. Porque, afinal, para eles, dois grandes artistas,  “viver sem cor” seria o mesmo que morrer.

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Fernanda Miranda

Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato. Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.

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