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Os Cabeças Urbanóides e sua arte na tesoura

Cortar cabelo é arte e não tem hora e nem lugar.

por Adolfo Caboclo, 12 de dezembro de 2014

Nasci na cidade de São Paulo, mas “virei paulistano” apenas na vida adulta. Me vi sufocado no extremo da cidade e encontrei minha libertação no Centro. Pelo menos, essa foi a parte da cidade que eu escolhi viver. Aquela parte que necessariamente tem que passar pela Augusta e onde os braços são tatuados e os jeans são surrados — tudo isso iluminado por algum neon safado.

Foi nesse perambular que há 3 anos eu vi um salão de cabeleireiros, entrei e conheci a Juliana de Carvalho: a pessoa que fez, pela primeira vez, meu cabelo conversar com a minha cabeça e com quem tive alguns papos-cabeça. Hoje, ela é uma integrante do Cabeças Urbanóides.

Cabeças Urbanóides é um coletivo de cortadores de cabelo que teve algumas sacadas, como por exemplo cortar cabelos fora do ambiente do salão e criar instalações temporárias para isso. Os caras sempre tentam expor que “cortar o cabelo” é sim uma manifestação artística, trazendo a idealização de alguns ensaios e editais focados na contracultura. Abaixo, segue uma entrevista que fiz com o coletivo que exala sinceridade e atitude.

 

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Não Só o Gato: Primeiro eu gostaria que vocês se apresentassem. Quem são os componentes do coletivo? Vocês transmitem ser um coletivo muito plural, quais são as “especialidades” de cada um?

Cabeças Urbanóides: Ana Elisa, Juliana Carvalho, TeTe Sartini e Slad Wild — os Cabeças Urbanóides. Somos, em suma, quatro artistas cansados da glamourização do mercado de beleza em que estamos inseridos.
A ideia de pluralidade é verdadeira, agregamos influências visuais, sonoras e estéticas, uns aos outros, criando instalações em conjunto e inspirando o público a uma nova visão .
Nossa especialidade é criar. Criar algo que identifique as pessoas que nos dão essa oportunidade, sem seguir padrões. A ideia de especialidade nos remete a algo comercial, que direciona o público a um artista, sair de rótulos e de verbetes criados pelo mercado da glamourização talvez também seja nossa especialidade.
A ideia do coletivo vem do inconformismo com o mercado atual, falta de valores, visão comercial de massagem no ego, adoração do espelho e não aceitação das personalidades — imposição estética, fora de foco.

NSG: Na identidade de vocês — nas fotos e tudo mais — eu vejo muita coisa vintage e, principalmente, do tropicalismo. Qual é a principal referência estética cultural do coletivo? Essa estética interfere muito na hora de vocês selecionarem os eventos que vão participar?

Cabeças: Nunca definimos uma identidade para o coletivo, justamente porque mudamos a instalação a cada período (Necessidades Reais, Digital Religioso, Sala de Jantar, Templo de Salomé…),  portanto ele tem de ser mutável. A influência vintage/tropicalista tem ligação com nossa personalidade e acaba inevitavelmente transparecendo no projeto.
O vintage é pela não utilização de novos recursos, principalmente, visto que nossas instalações também são criadas com poucos recursos, reutilização de materiais, etc. E o tropicalismo somos nós inteiramente, nos identificamos muito com a acidez, o inconformismo, a vontade de fazer algo novo e a ruptura de padrões. O que o movimento Tropicalista fez nos anos 60. Quanto à seleção de eventos, não temos critérios. Queremos é ir pra rua, pra ocupação, pra festa, queremos levar nossa arte pro mundo! Conhecer gente, se jogar na vida.

NSG: O Slad comentou sobre a “necessidade de real criação sem regras, bandeiras ou interferência empresarial”. Não é a primeira vez que escuto isso de um profissional dessa área. Se no passado existia uma repressão criativa — em relação à arte — que vinha do Estado, hoje a repressão vem desses lugares comentados? Como o coletivo vê e reage quanto a isso?

Cabeças: O que rola é uma PUTA demagogia! Os salões adoram se chamar de “descolados”, “modernos”, “alternativos”, pintar as paredes de cores escuras ao invés do tradicional branco, servir cerveja ao invés do café, mas isso acaba sendo apenas um marketing para atrair um determinado tipo de público. Tudo acaba sendo oco, uma casca hipócrita, que na verdade é o mesmo salão branco, servindo café e coxinha. As ideias são as mesmas: tem medo de criar, de ousar, de fazer algo que não seja “vendável”, de vincular a imagem ao mundo gay (mesmo vendendo o “conceito” gay friendly).
Mas acredito que isso não é um problema só do nosso mercado, já dizia Chico Science: “computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro”. A falta de ar criativo e a perspectiva de seres únicos nos fez pensar em algo não comercial, mas artístico. Sempre vai haver as pessoas que amam o dinheiro, e outras que amam a arte. E nos desculpem, mas não acreditamos que você pode amar os dois na mesma intensidade.

NSG: Quais são os próximos objetivos do coletivo? Qual é a estrada que vocês pensam pro coletivo?

Cabeças: O Coletivo Cabeças Urbanóides tem um projeto caminhando lado a lado, só esperando a hora certa de sair do papel. É novo, verdadeiro e intenso, mas é segredo.

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Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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