Sarau com bola na terra batida e tinta na parede
Duas linhas de metrô, uma de trem e um ônibus, foi a condução que fiquei a bordo durante mais de duas horas pra chegar no Fundão. No final da M’Boi Mirim, depois do Capão Redondo, a mais de 50 km do centro paulistano. Foi lá que desfrutei o meu domingo de sol com a companhia do Genésio, um dos líderes comunitários do local.
Ele me esperava ao lado de uma árvore centenária que estava sendo cortada com a ajuda de um imenso guindaste. Comandada pela prefeitura, a ação só foi possível depois de muita pressão de Genésio. Antes de poder lamentar a derrubada de algo tão grandioso, meu anfitrião falou: “Finalmente tão tirando isso, faz anos que estamos pedindo pra prefeitura. Esses dias caiu um galho que matou um cara”. Foi aí que reparei a robustez dos galhos no céu e a fragilidade das vidas e construções presentes no chão. Eram olhares e mais olhares que apreciaram a derrubada durante todo o domingo.
Genésio estava acompanhado, me apresentou alguns jovens do Movimento Passe Livre, que por lá também tocavam o sarau que estava por vir. Foi com essa trupe que adentrei pelas ruas e no meio de tantas casas encontramos um clarão, um oásis: um campo de futebol.
A impressão que dava é que a vida da região circulava em torno desse campo. Era lá que as crianças brincavam de futebol. Também era lá que as pessoas andavam, apreciavam e apareciam. Foi quando pensei que os Racionais estavam certos, “o mundo é diferente da ponte pra cá”. Nesse campinho, o Genésio e o pessoal do MPL instalaram um som, na esquina esquerda do goleiro. Era um momento de brasilidade extrema, de crianças chutando bola e jovens se aglomerando ao som de Sabotage.
Chegou a hora do Sarau. Estava curioso. Era um Sarau onde tudo estava liberado: apresentar músicas, declamar, doação de livros para quem quiser pegar, fazer graffitis no muros. Só a última opção triunfou. Jovens com dedos nervosos em suas latas de spray transformaram os muros em volta do campinho num lugar mais colorido. Foi uma tarde com a bola rolando na terra batida e a lata cuspindo no muro.
Na luta da quebrada pela qualidade de vida, não sei se eles reparavam ser possuidores de algo que o centro perdeu. Por lá, as crianças brincavam com o pé no chão e a comunidade interagia entre si. No final da M’Boi, observei o que existe de mais humano no homem e — durante as duas horas subsequentes que levei para voltar pra casa — me indaguei o quão desumano é a aversão para políticas que priorizam o transporte público.
Acompanhe os próximos eventos pela luta do transporte na M’Boi Mirim aqui.
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