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Tudo o Que Está ao Meu Lado

por Marina Ribeiro, 25 de abril de 2014
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Dei passos lentos em direção à cama. Sentei, tirei os sapatos, acomodei minha bolsa. Olhei ao meu redor antes de me deitar. Meu coração batia forte e eu tinha a impressão de sentir todos os poros do meu corpo. Me senti viva, enquanto olhava para o teto de vidro azul pulsante por conta da luz do dia lá fora. Aquele teto, tão alto, parecia querer cair na minha cabeça. Ao meu lado, uma respiração prolongada quase sincronizava com a minha, mas eu não sabia quem era aquela pessoa.

Esperei um tempo antes de olhar para o lado. Eu estava dividindo a cama com uma moça, uma moça que me era estranha, e naquele momento nos cobríamos com o mesmo lençol. Quando no meu peito já não soava um tambor, tomei coragem para observar aquele outro ser que, por sua vez, parecia reunir forças para falar. As primeiras palavras saíram de seus lábios enquanto nossos olhos se encontravam como nunca antes haviam. Ouvi sua história e experimentei a mais louca sensação: a de conhecê-la profundamente e a de não conhecê-la nem um pouco.

Quando “Tudo o que está ao meu lado”, a intervenção do diretor argentino Fernando Rubio, acabou, levantei da cama, catando meus sapatos, minha bolsa e meus caquinhos, querendo mesmo dar um último abraço ou reter por mais um minuto aquele momento tão único e esquisito ao mesmo tempo. Fiz parte (no dia de estreia) do segundo grupo de 7 pessoas que, de 15 em 15 minutos, se voluntariam para deitar ao lado de 7 atrizes (uma em cada cama) e assistir a um espetáculo particular. Um privilégio provocador.

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O trabalho está exposto no CCBB fluminense, como parte do Cena Brasil Internacional, festival de teatro que fomenta o intercâmbio cultural ao proporcionar o encontro de companhias e profissionais de diferentes países. É itinerante e escolhe equipe e atrizes novas a cada lugar, para estar em sintonia com as idiossincrasias locais, além de ser resultado de uma residência intensiva do diretor com as atrizes. Mexe com o ambiente em que se insere, com a percepção de quem o experimenta de dentro e de fora, ressignifica o espaço e a própria noção de arte e das relações que costumamos estabelecer.

Imagine, durante dez minutos, dividir a cama com uma atriz, entre outras 6 camas, cada uma com outra atriz, que se deita com outro espectador e diz a ele o mesmo texto que você escuta, de autoria de Rubio. Leve em consideração não somente as suas inibições e inseguranças, ou as suas entregas e emoções, mas o pé direito altíssimo da rotunda do centro cultural contrastando com a brancura dos travesseiros e lençóis e as várias pessoas que observam aquele momento tão íntimo e o oposto disso, também. Para mim, foi tocante. Aliás, ainda busco definir o impacto dessa experiência em mim.

“Este trabalho nasce depois de um sonho. Com a recordação de uma história de infância esquecida. Uma história que esteve alojada em algum lugar da mente e do corpo durante 25 anos”, foi o que li no site oficial do festival. Engraçado é que voltei ao CCBB no dia seguinte à estreia, aproveitando para ver de cima as camas perfeitamente organizadas sendo ocupadas e desocupadas por homens, mulheres, crianças, senhores. A impressão que tive, quando eles levantavam ao final da experiência, foi a de ver pessoas acordando de sonhos.

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Como eu disse, fui ao festival nos dois dias seguidos. Fiz planos frustrados de ir no terceiro dia, irei nos próximos dias e certamente me deixarei levar pelo imã de “Tudo o que está ao meu lado”, até que complete o círculo de 7 atrizes, talvez. Quase como um laboratório desse trabalho do Rubio. Um festival de teatro já seria motivo suficiente para uma atriz em formação se perder; um trabalho que te desperta para o significado do silêncio, para o diálogo de corpos que se desconhecem e se descobrem nos detalhes, na sutileza dos movimentos, no olhar e (principalmente, para mim) numa delicadeza tão humana… É para se deixar habitar.

Ah! A intervenção estará em cartaz até o final do festival, 4 de maio. As atrizes são: Caju Bezerra, Carolina Garcia, Fernanda Thuran, Maria Albergaria, Monique Franco, Rebeca Jamir e Vivianna Schames Kreitchmann.

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Foto p&b por Marina Ribeiro
Demais fotos do site oficial de Fernando Rubio

Marina Ribeiro

Marina Ribeiro é jornalista e atriz em formação. Ama o teatro e acredita na comunicação em suas mais diversas manifestações – a moda é uma das favoritas. Soteropolitana, morou em São Paulo durante 4 anos e agora respira ares cariocas. No Instagram, ela é @marinaribei.

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