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Vênus em Visom: teatro, dominação e “bastante Freud”

por Marina Ribeiro, 15 de novembro de 2013
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Adentrei a sala do Teatro Leblon e logo senti o coração ficando mais veloz. Observei a estrutura do lugar, senti o conforto das cadeiras e notei as pessoas ao meu redor se acomodando, enquanto ansiava pelo terceiro sinal. É, sempre fico nervosa antes de uma peça começar. Penso nos atores, seus rituais, seus estados físico e psicológico precedentes à entrada em cena. E se algo sair errado? Vão conseguir improvisar? Será que vamos notar? Será que a peça é boa? Um dia serei eu lá em cima?!

“Bzz, bzz, bzz”. Tocou o terceiro sinal, as luzes se apagaram, os últimos murmúrios cessaram e um trovão soou, iluminando rapidamente o palco antes de um novo breu, dessa vez cortado apenas pela chama de um cigarro aceso.  Era Thomas, o diretor interpretado por Pierre Baitelli nessa montagem de Vênus em Visom, texto do americano David Ives aqui no Brasil realizado pelo diretor Hector Babenco, com produção de Cynthia Graber.

Me deixei levar pela verborragia de Thomas ao celular e logo surgiu, ensopada e estabanada, a Wanda de Bárbara Paz (mulher de Babenco e um espetáculo de atriz ao vivo – Hell, adaptação do livro de Lolita Pille também dirigida por Babenco, me impressionou deveras). Dali em diante, começou a se delinear o jogo psicológico que é trunfo da narrativa e me sugou completa para a história. História, por sinal, que – apesar de ser zero mainstream – foi sucesso absoluto na Broadway e, nos cinemas, dirigida por Roman Polanski, indicada no Festival de Cannes em 2013 à Palma de Ouro.

barb3A curta sinopse “atriz chega atrasada para um teste e tenta convencer o diretor de que merece uma oportunidade em sua adaptação” em nada prepara o espectador para o que ele vai testemunhar. Aliás, mesmo sabendo que o relacionamento entre ambos seria de manipulação, dominação e submissão (pelo que havia lido), ainda não imaginava a qualidade do que veria. No programa do espetáculo, Babenco dá algumas pistas, ainda que pareçam meio sombrias para quem não conhece o enredo: “A mentira que é a semente do impostor é a energia que concebeu esta VENUS. Nela estão embutidos uma base de chanchada, uma pitada de Moliere, bastante Freud, um pouco de transexualismo, uma colher grande de sadomasoquismo, enfim. Amor, castigo, humilhação, tudo aquilo que fazem dessa receita uma bela refeição.” diz, em trecho transcrito de maneira igual.

 

Não quero ir muito além no enredo em si, afinal de contas meu objetivo aqui é qualquer um, menos ser spoiler, mas é obrigatório o destaque a alguns pontos. Antes de qualquer coisa: como é maravilhoso, prazeroso e curioso assistir teatro de qualidade, e quais não são as diversas e intensas sensações que essa arte é capaz de nos proporcionar, não é mesmo? Assistindo à Vênus em Visom, pude rir, me perceber aflita, tensa ou reflexiva. Fui dominada pela teia de relações complexas que foi se formando em torno desses personagens, por seus medos, seus traumas e – particularmente – pela linguagem corporal e domínio vocal dos atores, que mudavam de personagem como quem muda de roupa.

Dominação, aliás, é palavra chave quando se fala do espetáculo, já que o jogo de poder entre Wanda e Thom toma proporções que misturam realidade e ficção, confundindo fantasia, realidade, sedução e poder, num universo dissimulado, cruel e mesmo engraçado. As brincadeiras metalinguísticas da personagem de Bárbara soltando vários bordões teatrais foram certeiras no quesito graça. Ao mesmo tempo, clichês de gênero são postos à prova e essa Vênus esmaga o personagem de Baitelli. Como vi Babenco definir em entrevista: “Trata-se do triunfo da mulher sobre o homem. Um texto grotesco, mas curiosamente cômico”.

Se estivermos falando de submissão, eu certamente desejo submeter todos vocês a assistir esse trabalho contundente que, para finalizar a tentativa de convencimento (já que não posso usar amarras e chicotes), tem um quê contemporâneo muito legal de assistir no teatro (sinto que dialoga comigo, com a minha idade e a minha percepção de mundo). Espero que os tenha convencido sem precisar abusar do poder!

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Fotos: divulgação

Marina Ribeiro

Marina Ribeiro é jornalista e atriz em formação. Ama o teatro e acredita na comunicação em suas mais diversas manifestações – a moda é uma das favoritas. Soteropolitana, morou em São Paulo durante 4 anos e agora respira ares cariocas. No Instagram, ela é @marinaribei.

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