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Yann Tiersen já fez alguma trilha sonora da sua vida

O responsável pela trilha de Amélie Poulain se apresentou essa semana em SP

por Adolfo Caboclo, 2 de dezembro de 2014
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Antes de qualquer coisa, repouse seus fones de ouvido sobre os tímpanos e dê um play.

Já faz mais de dez anos. Eu acabava de finalizar minha vida escolar e apesar de estar me livrando dos anos mais medíocres da minha vida eu estava morto por dentro, em um ônibus me mudando para o Rio de Janeiro. Estava coberto de trevas e raiva. No rosto, uma tristeza profunda com os olhos opacos e testa encostada na janela. Passava pela Baixada Fluminense e o único cheiro que conseguia sentir era o do plástico de uma garrafa de água que esquentou com o sol. Era a minha derradeira tentativa de conviver com o paradoxo de amor e ódio mais forte da minha vida: o Rio onde me desconstruí, reconstruí e me arrependi de tanta coisa. O Rio onde fui tantas coisas, menos eu. O purgatório que me deu a chance de renascer.

Abro os olhos e percebo que o tempo passou. O ano não era 2003, mas 2014 e no lugar de incertezas eu era uma rocha, vivendo os momentos mais sagrados da minha passagem pela Terra. Estava cercado de pessoas que amo, na mística choperia do Sesc Pompéia, onde tanto da história da música no Brasil se passou. No palco, Yann Tiersen tocava exatamente a música do vídeo acima. Tal música que pode ser a trilha sonora da vida de qualquer um. De qualquer Amélie Poulain, de qualquer pagão que estava no Sesc naquela noite aprendendo a flertar com Deus — assim como eu, com os olhos fechados e absorvendo o som do multiinstrumentista francês.

Pouco antes, na hora de entrar na choperia, algumas pessoas ostentavam cartazes que sinalizam interesse em comprar os já esgotados ingressos para o show de Yann. Mesmo com uma semana de antecedência eles jamais conseguiriam.

Estamos falando de um artista que ganhou projeção internacional fazendo a trilha sonora de filmes como “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” e “Adeus Lênin! “. Um cara desse “naipe” que estava ali — ali no Sesc. Direto da França, por R$6,00 a meia entrada. Entrada naquele espaço composto de tijolos, aço, mesas de madeira maciça e luzes incandescentes alaranjadas.

Não posso esquecer dos mojitos que eram vendidos no balcão — com um dedo de açúcar na base do copo de plástico. Esses mojitos e Yann me fizeram transcender. Assim como a banda de franceses que o acompanhavam no palco, que faziam dali um lugar onde o tempo fluía de forma diferente . Era como se São Paulo fosse uma Roma, a choperia fosse uma aldeia gaulesa e Yann um druida oferecendo sua porção mágica, oui.

No final do show o público pediu “mais um”, no final do “mais um” a galera pediu “outro” — mesmo com as luzes já acesas e funcionários varrendo o local. Tiersen voltou com sua banda, não se intimidou com a luz no seu rosto, nem com o clima de fim de festa: cantou a capella, sorriu e se despediu pela terceira vez.

Na multidão que retornava ao lar, um amigo me encontrou e me disse, “eu tava lá no fundo e vi você pular lá na frente do palco”. Pulando… ele jamais poderia imaginar que eu estava em um ônibus indo pro Rio.

foto 4 foto 3 foto 2Fotos por Adolfo Martins, Iphone 4s

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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