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Sebo Desculpe a Poeira

Ricardo largou seu cargo de diretor pra ficar mais próximo do que ama.

por Rodrigo Daud, 22 de janeiro de 2015
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Terça-feira, enquanto estava a caminho de encontrar um amigo em Pinheiros, chovia aquela garoa fina que mancha o céu de cinza. O trânsito, como sempre castigando, me faz procurar o celular perdido pelo banco e apelar para o Waze. Ele havia de me salvar da caoticidade daquele dia. A voz apita e me manda recortar pelo bairro. Sigo seu conselho e, em meio a essas recortadas, passo pela rua Sebastião Velho. Uma ruazinha estreita, pavimentada com paralelepípedos, prédios baixos e sem sinal de carros. Parecia um oásis bucólico em meio àquele caos que a tarde chuvosa paulistana insistia em pinicar.

Por um momento me senti como o Gil – personagem de Owe Wilson no Meia-Noite em Paris, quando se vê transportado para Belle Époque parisiense. No meu caso, claro, foi bem mais singelo, me senti levado pra uma São Paulo provinciana, talvez gozada apenas pelos meus avós. Mas, apesar de tudo isso, o que realmente me chamou a atenção foi um sujeito de longas barbas sentado em frente a portinha de uma pequena garagem. Pouco acima da altura da portinha, uma placa avisava o desavisado viajante: “Sebo Desculpe a Poeira”. Nessa hora, veio o estalo que eu já havia lido alguma coisa sobre um doido varrido que largou tudo para se dedicar a vender livros empoeirados. Foi muita coincidência. Venci meu hábito que me corrói de deixar tudo pra depois e resolvi conferir. Busquei meu amigo e voltamos pra fuxicar esse pedacinho de garagem recém-descoberto.

Chegando lá, fomos recebidos pelo tal sujeito de longas barbas que logo perdeu seu pseudônimo e virou Ricardo Lombardi. Ex-diretor de conteúdo do Yahoo, ex-diretor da saudosa Bravo! e atual doido varrido por ter largado tudo pra fazer o que ama. Uso desse adjetivo na mais ingênua brincadeira, porque o que mais sinto falta por aí são de doidos varridos como ele.

Em um primeiro momento, Ricardo parece polido, sabe as regras e etiquetas de como não espantar freguês, dosa as palavras em doses homeopáticas e nos deixa descobrir como crianças seu mundo. Me perco nos 22 metros de garagem.

O ambiente é hermeticamente calculado para dificultar o abandono. Ao contrário de uma biblioteca de Alexandria, pomposa aos olhos e logo em seguida preguiçosa aos prazeres da leitura, aqui os livros estão deitados e despidos esperando serem folheados. Então, não se assuste se em 10 minutos você terminar com 3 ou 4 livros na mão.

Já na primeira troca de palavras sobre algum autor, ou recomendação de algum livro, Ricardo perdeu a polidez e se mostrou um verdadeiro sommelier de livros. E nessa me rendi aos prazeres das compras e acabei embolsando dois livros. Um deles, o “But Beautiful”, um livro sobre jazz, foi presente de um amigo que viajou para o exterior e trouxe pra ele. Gostei de saber como o livro tinha parado lá, como um neto curioso que pergunta aos avós italianos como vieram parar no Brasil.

Pela coleção ter sido construída aos poucos e ainda ser relativamente pequena comparada ao que ele ainda almeja chegar – hoje são aproximadamente 4 mil livros, com planos de chegar aos 20 mil –, Ricardo tem uma intimidade com os livros, como velhos amigos, coisa que não é fácil de encontrar por aí. Mas vou te falar onde o Ricardo acertou, uma coisa tão simples: o sonzinho ambiente. Enquanto eu passeava pelos livros, rolava um Cole Porter e uns sons envelhecidos de bons. É algo tão singelo e que transforma o passeio numa cena que você sente que já viu em algum filme. Ainda mais quando você tá bisbilhotando livros que conversam com a época da música. Acho que isso tem um nome, transplantação, não?

Então, faz assim: tira uma horinha do seu dia e dá um pulo no Desculpe a Poeira. Depois que já estiver com o livro ou os livros em mãos, por perto do sebo há duas ótimas opções pra sentar, tomar um café, relaxar e curtir a ‘poeira nova’: O King of the Forks, na Arthur de Azevedo 1341, ou o Sofá Café na Berthold Bianchi 130. Faz isso que a vida agradece.

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