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Um oásis para pintura

Entre telas, pigmentos e livros do Ateliê da Rua Nilo.

por Adolfo Caboclo, 24 de setembro de 2018
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Segunda-feira. Noite abafada. Em um primeiro dia de aula de história da arte o professor Manoel entrou na sala. Comecei a anotar tudo o que ele falava. Era uma narrativa que começaria com pinturas rupestres e caminharia ao longo do semestre até chegarmos no início da arte contemporânea.

Manoel falava de forma atenciosa, olhando seus alunos nos olhos. Escutava seus aprendizes com o mesmo zelo que tecia palavras e com o passar do tempo, pelos corredores da PUC, comecei a apresentar meus desenhos em carvão para ele.

Foi o início de um debate sobre o figurativo. Que ultrapassaria os limites da universidade e teria um desdobramento em seu ateliê, com aulas de pintura e, posteriormente, com a minha ocupação em um dos cômodos do local. Em poucos meses eu e Manoel dividíamos o local que batizamos de Ateliê da Rua Nilo.

Espaço que fica em um prédio antigo. Com chão de madeira, janelas enormes. Me lembro do primeiro dia que me debrucei na janela do quarto que ocupo: verde, passarinhos cantantes – mesmo estando a menos de quinhentos metros da Avenida Paulista –, perguntei ao Manoel, “que som de água é esse aqui na frente? De onde vem? ” Recebi como resposta que era a nascente do lago da Aclimação e que no final da tarde o som dos pássaros se intensificaria por muitos virem se refrescar nesse local. O que, de fato, aconteceu.

Com o passar das semanas no ateliê, acabei me descobrindo uma pessoa diferente do que me imaginava. Meu passado empresarial sempre me fez, no final dos dias, encontrar Fernanda e contar sobre pessoas e reuniões agitadas. Hoje, chego em casa e geralmente me expresso sobre o longo período que gasto para encontrar a cor adequada para um elemento de alguma pintura.

Na rua Nilo, no meio de estantes com infinitos pigmentos para restauro ou próximo à uma prensa antiga de xilogravura, o tempo se mostra de uma forma peculiar. Erudito, Manoel sempre me apresenta filmes que não conhecia e discos que jamais tinha escutado. Porém, o que mais me impressiona são as novidades oriundas de sua vasta biblioteca. Alguns dos livros – romances e referências em história da arte – mais importantes da minha vida até então, descobri lá.

Por meio desses livros, percebi que, muitas vezes, posso não ser compreendido por pessoas que convivem comigo, mas que existiram alguns caras, lá atrás, que – por suas obras -, dialogam com elementos que acredito.

Entendi que, muitas vezes, posso falar coisas que serão captadas por indivíduos que se quer nasceram ainda. Telas, ideias e palavras produzem diálogos com muito mais longevidade do que nossos corpos.

Claro que o Ateliê não vive apenas de momentos calmaria. Nas quarta-feiras, por exemplo, alunos de pintura ocupam o espaço na eterna busca de alinhar cores primárias com a realidade. Eu e Manoel também já fizemos alguns bons eventos pelas noites do local – impressionante como quadros e vinhos combinam.

Em momentos solitários, ao finalizar algum quadro, sempre me pergunto: “será que, um dia, essa obra participará de uma exposição pelo mundo ?” Logo depois dessa dúvida me vem a certeza. “O dia que isso acontecer, embarcado em viagens e no ritmo do mundo exterior, vou morrer de saudades dos momentos produtivos e leves aqui na Rua Nilo”.

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Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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