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Quando eu vi Machu Picchu de cima

por Marina Ribeiro, 2 de junho de 2014
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Começar o dia às 4h20 da manhã fica fácil quando se vai a Machu Picchu. Abri os olhos antes que o som do meu despertador rompesse o silêncio da madrugada e percebi que Marcinha já estava de pé e quase pronta para zarpar. Éramos quatro, eu, ela e os dois respectivos Diegos, e estávamos todos bastante ansiosos para aquele pedaço da viagem. Não conheço pessoa que ignore a cidade perdida dos Incas quando se fala de destinos incensados.

Por falta de tempo, infelizmente não conseguimos chegar a Machu Picchu por alguma longa trilha (hábito dos mochileiros, é como ganhar uma maravilhosa recompensa depois do sofrimento). O ônibus ladeira acima, com os primeiros raios de sol revelando as silhuetas das montanhas, já mexia com o brio dos mais desavisados: foi o prenúncio de que aquele seria um dia memorável.

 A cidade fica a 2400 metros de altitude, bem em cima de uma montanha e no vale cortado pelo belíssimo e caudaloso rio Urubamba. Chegar lá é zero simples e prático, o que garantiu duas coisas: que a cidade fosse descoberta apenas em 1911 e que historiadores tentem repetidamente encontrar justificativa para a construção de um espaço social num lugar como esse. Fato é que Machu Picchu tá lá, linda e imponente, no meio de tantas outras montanhas. Foi construída a mando de Pachacuti, que foi O CARA do Império Inca!

Chegar na entrada do parque amplifica a ansiedade, mas faz cair a ficha: junto com você, outras 1999 pessoas estão realizando o sonho, ao mesmo tempo, no mesmo dia. Claro, todo mundo vai chegando pouco a pouco, alguns de escada, outros de ônibus, cada um no seu tempo. Nós contratamos uma guia e nos juntamos a outro casal quieto e um italiano com português perfeito. Na curva final antes daquela primeira e clássica vista de Machu Picchu, tive vontade de prender a respiração. Inspira, solta…

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Adentrar a cidade perdida dos Incas é emocionante; a verdade é que Machu Picchu é muito mais linda do que todas as fotos e vídeos já vistos juntos. E entender melhor o funcionamento de uma civilização tão antiga é único. Seu povo era extremamente inteligente e conectado com a força da natureza. A Pachamama, as estrelas, o sol e a lua tinham papéis essenciais na organização social e política desse povo (sabedoria que vai se perdendo). Janelas, templos, espaços de plantação, casas… Tudo era organizado de forma que Inti, o deus Sol, pudesse passar — no que poderíamos chamar de primeira arquitetura intencionalmente orgânica de que se tem notícia.

É verdade, e eu não posso esconder isso, que tanta gente naquele lugar tira um bom pedaço da graça. Mas tiramos da manga uma das cartas mais válidas da viagem: a subida de Huayna Picchu, que é aquela famosa montanha ao fundo de praticamente todas as fotos de Machu Picchu, cujo pico fica em torno de 2720 metros acima do mar. Apenas 400 pessoas podem fazer essa trilha por dia, divididas em dois grupos que possuem horário marcado para subir e limite de tempo para permanecer lá em cima.

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Minutos antes da subida, encontramos um cantinho só nosso. Uma pedra que nos presenteava com a vista de algumas das montanhas ao redor e que permitia algum descanso e preparo mental antes do esforço físico pesado que nos aguardava. Separei uns minutos para me conectar com meu corpo, alongar braços, pernas, coluna, respirar fundo e sentir certa dose de gratidão por estar ali. Lá fomos nós: a subida é íngreme e bem puxada, mas com calma é possível. Estávamos num lugar mais baixo em comparação a Cusco, o que aliviou os sintomas da altitude.

 Quando chegamos no primeiro mirante, a recompensa: uma vista inacreditável de praticamente tudo ao redor! Muito alto e muito impressionante. Retomei ali o fôlego para subir os últimos pedaços. Finalmente na pedra do topo, senti minhas pernas bambeando com a altura do local. Ali, sim, senti os ares de um lugar especial, minhas energias renovadas e a força do que representa chegar lá. Vi Machu Picchu de cima e posso afirmar que é uma imagem gravada nas profundezas da minha mente.

Descer dali chegou a ser engraçado já que, apesar de não haver risco, todos foram se esgueirando pelas paredes, degrau após degrau, até que a mata escondesse a vista e diminuísse a sensação de vertigem. Longe de acabar o esforço físico, resolvemos descer até o Machu Picchu Pueblo pelas escadas, o que totalizou quase duas horas de descida e fez meu joelho pedir arrego, mas faz parte daquela experiência se impor algum tipo de desafio corporal. Pode ser pequeno, mas tem que existir.

Ao final do dia, no trem de volta para Cusco (e ainda impressionada com a beleza desconcertante do Peru), fui acometida por uma felicidade tão gigante quanto a montanha que subi. Era a alegria de realizar um sonho, de ver a vida acontecer, de viver. Se, em Machu Picchu, a quantidade de gente dispersou a energia, depois de caminhar das 10 da manhã às 3 da tarde, ver as ruínas de uma civilização muito inteligente, subir Huayna Picchu e descer até o povoado degrau por degrau, eu era pura energia aqui, dentro de mim.

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04 Fotos por Marina Ribeiro

Marina Ribeiro

Marina Ribeiro é jornalista e atriz em formação. Ama o teatro e acredita na comunicação em suas mais diversas manifestações – a moda é uma das favoritas. Soteropolitana, morou em São Paulo durante 4 anos e agora respira ares cariocas. No Instagram, ela é @marinaribei.

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