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Sarau Suburbano

por Fernanda Miranda, 1 de agosto de 2013
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Para mim, a Rua Treze de Maio, no Bixiga, sempre foi sinônimo de comida. É pra lá que eu vou quando quero comer esfihas bem grandes e recheadas, quase do tamanho de uma pizza, por um precinho bem camarada. É também nessa rua que ocorre a Festa da Nossa Senhora Achiropita, o tradicional evento da culinária italiana que atrai anualmente cerca de 250 mil esfomeados. Muito provavelmente, estou falando de uma das ruas turísticas que mais viu história nessa nossa cidade acinzentada. Acontece que, ao contrário do que diz a frase tão difundida “A ignorância é uma benção”, me sinto triste ao pensar que, por minha pura ignorância, só fui conhecer agora um dos lugares mais incríveis de São Paulo – logo nessa rua que tanto caminhei, ou melhor, tanto comi.

Estou falando da Livraria Suburbano Convicto, o lugar mais cheio de vida que já conheci na capital. Às terças-feiras, a partir das 20h, a livraria recheada de grafites e bons livros abre seu espaço para a chegada de grandes poetas, vindos de todos os cantos da cidade, no evento que é conhecido como “Sarau Suburbano”, um sarau de poesia que existe já há quase dez anos.

O sarau é apresentado por Alessandro Buzo e Tubarão Dulixo. Para falar de cada um deles, seria preciso escrever outra matéria, por isso, tentarei ser direta. Alessandro Buzo é escritor, ativista social, dirigiu o filme Profissão MC (que pode ser visto aqui), é colunista do jornal Boletim do Kaos (distribuído gratuitamente lá na livraria), e também é repórter do quadro “SP Cultura”, apresentado às sextas-feiras no SPTV 1ª Edição, da Rede Globo. Segundo o rapper Emicida, se você ainda não leu um dos livros que o Buzo escreveu “não me mata de vergonha e vá ler pelo menos um”. Eu morri de vergonha e estou lendo o “Suburbano Convicto – O Cotidiano do Itaim Paulista”. Tubarão Dulixo, por sua vez, é escritor, artista plástico, editor do Boletim do Kaos e nessa última terça pude ver que é um profundo poeta.

E se o mundo carece de poesia, a Livraria transborda dela. Tive o privilégio de, na minha primeira visita ao sarau, participar no dia em que teve recorde de participação – um total de 59 poetas.  Além disso, teve lançamento do CD do Edi Rock, “Contra Nós Ninguém Será”, e do livro “A Curva do Rio”, de Carlos Biaggioli. O recorde anterior tinha sido no dia do lançamento do CD do Criolo “Nó na Orelha”, com 54 participantes. A casa ficou lotada – tinha gente até na escada – e como disse Buzo, “Tamo aqui passando calor juntos em pleno inverno”. Tudo pela poesia.

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Foram três horas – uma hora a mais do que costuma ter o sarau – tomadas pelo pertencimento e pela pura beleza. Lá dentro senti que a vida pode ser uma grande celebração, mesmo com tantas adversidades. Conheci o Júnior, filho de Prodígio, que cantou com o pai logo depois de receber uma ameaça: “Júnior, cadê você? Amanhã não vai ter Playstation”. O senhor Alberto, da Argentina, que recitou um poema em espanhol mesmo (“O que importa é a energia”, disse Buzo). A linda da Ziza Pimenta, a quem prometi que voltaria na próxima terça. Ruivo Lopes com seu tocante poema sobre o tempo. Patricia Candido, que com seu depoimento sobre o companheirismo fez os olhos de muitos de lá choverem. Ouvi Fernando Pessoa. Escutei alguém recitar “O açúcar”, de Ferreira Gullar. Cantei Racionais Mc’s mesmo sem saber a letra. Dancei ao som de uma música que falava sobre a história de um menino de rua. Muitos falaram sobre a injustiça social. Uma “menina pequena da poesia grande”, como foi apresentada, nos falou sobre Deus, ou melhor, sobre Jah. Alguns preferiram falar sobre a palavra. Outros, sobre a humildade. E assim, ao todo, foram 59 poemas. Recitados por 59 poetas.

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Desde essa última terça-feira, a minha história com a Rua Treze de Maio se ampliou. Ela ficou mais bela, mais complexa também, porém com muito mais significado. E tudo isso, graças às vidas que passam uma vez por semana por lá no número 70, no segundo andar. A Rua Treze de Maio já não é mais sinônimo de comida. Virou sinônimo de poesia.

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 Fotos por Heitor Botan

Fernanda Miranda

Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato. Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.

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