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Brechó Itinerante: a loja é a rua

Sem endereço fixo, o Brechó Itinerante mostra seu trabalho em eventos de São Paulo.

por Fernanda Miranda, 4 de fevereiro de 2015
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Eu e o Adolfo, meu namorado e também colunista desse site, fomos sempre de conversar muito sobre tudo. Faz parte da rotina terminar o dia com ele me contando sobre os pequenos — porém relevantes — acontecimentos do seu dia a dia, como uma delicadeza que presenciou na rua.

Uma de suas narrativas mais constantes é sobre sua cabeleireira, a Ju, que trabalha no Berlin Hair. Eu não a conheço, mas pelo o que ele diz, ela é uma mulher que ama muito o que faz. Tanto é assim que o coletivo de cortadores de cabelo no qual ela participa, os Cabeças Urbanóides, já foi assunto aqui no Não Só o Gato.

Certa vez, ele chegou em casa depois de cortar a juba no Berlin e veio contando que a namorada da Ju, a Camila Machado, tem um brechó itinerante. Que aquilo era genial, uma puta sacada, e que precisávamos conhecer esse brechó. Entramos em contato com a Camila, e fomos então em uma casa onde ela guarda o acervo do Brechó Itinerante. Aproveitei  a ocasião para entrevistá-la e, é claro, comprar algumas roupas (que, diga-se de passagem, são magníficas!).

A Camila é única naquilo que faz. Conversando com ela, dá pra perceber que seu brechó é seu dom, sua história e, como a própria diz, seu estilo de vida. “Gosto de correr o mundo, viajar, garimpar. Vender é consequência, só para eu poder garimpar de novo”, explicou em entrevista ao NSG. Seu acervo é especializado em roupas que datam da década de 1920 a 1970.

A ideia de ter um brechó itinerante e rodar em vários espaços diferentes, veio junto com a vontade de resgatar o slow, o contato mais humano entre vendedor e comprador, que vai muito além do comércio propriamente dito. Confira abaixo a entrevista.

Não Só o Gato: Você sempre frequentou brechós?

Camila Machado: Venho de uma família apaixonada pelo vintage, pelo escambo. Sempre vi meu pai fazendo rolo com coisas que tínhamos em casa e trazendo outras. Íamos juntos às “feiras do rolo” do interior e, ali, ainda sem saber, fui começando a compor meu acervo de “velharias”.

NSG: Como surgiu a ideia de ter seu próprio brechó? E porque um brechó itinerante?

Camila: A ideia de ter meu próprio brechó veio de uma conveniência. Aquele velho ditado “unir o útil ao agradável”. Eu tinha muita coisa e os meu amigos começaram a pedir para eu garimpar para eles. Foi acontecendo naturalmente, uma paixão que se transformou e se consolidou em amor.

A ideia de ser itinerante tem a ver um pouco com meu estilo de vida. Gosto de correr o mundo, viajar, garimpar. Vender é consequência, só para eu poder garimpar de novo. Então não faria sentido uma loja aberta em horário comercial. A ideia é justamente o resgate do slow, do antigo, de receber as pessoas no seu espaço com a atenção que cada um parece, sem intenções comerciais diretamente.

NSG: Você já levou seu brechó a quais lugares? Varia suas araras conforme o lugar que vai expor?

Camila: O Brechó Itinerante começou exposto na região da Augusta, perto dos amigos. Vários bares e baladas como o Saravejo, onde fizemos uma temporada em 2013. Fomos também para a Vila Madalena, além de festas na Casa das Caldeiras, Armazém Cultural, Virada Sustentável. Em 2014, começamos com produções e locações de figurino para revistas, televisão, filmes, ensaios fotográficos, o que nos levou também para fora da cidade e do estado de São Paulo.

Uma das coisas que costumo dizer é que nossas peças são escolhidas a dedo, então para cada evento eu escolho pessoalmente peça por peça que vai para a arara, em um acervo que hoje gira em torno de três mil peças.

NSG: Como e onde garimpa as roupas que vende? É difícil garimpar peça boa?

Camila: Eu garimpo em todos os lugares, já comprei roupa de gente andando na rua. Eu garimpo o tempo todo, em todo lugar. Se vejo uma pilha de roupas, olho uma por uma. Mas os melhores lugares são, de fato, os bazares de igreja. Há uns dez anos, era muito mais fácil e barato achar peças legais, com o passar dos anos a dificuldade vai aumentando.

NSG: As roupas expostas em seu brechó têm tecidos, cores e estilos inusitados. Você concorda que seu brechó não é convencional? 

Camila: Brechós vendem roupas usadas, como lojas comuns vendem roupas novas. Mas isso é abrangente demais. Dentro do próprio mercado de brechós existe brechós de roupas infantis, de sobretudos, brechós modernos, de marcas famosas… o Brechó Itinerante é especializado nas décadas de 20 a 70. Temos peças básicas, mas fabricadas nesse período, com cortes, tecidos e cores diferentes.

NSG: A dupla Os Gêmeos é um de seus clientes. Pode contar a experiência que teve com eles?

Camila: Eu sou apaixonada pela arte d’Os Gêmeos há bastante tempo. Sempre quis tatuar um dos bonecos amarelos na minha pele, mas não estaria confortável de fazê-lo sem a autorização do artista. Uma vez, recebi uma ligação da produtora da Revista Trip e combinamos que ela viria ao ateliê para escolher algumas peças para uma matéria. Quando soube que a entrevista ia ser com os meninos, contei a história da tatuagem e, por conhecer o trabalho deles, mandei um terno azul e verde icônico dos anos 70 que achei que tinha tudo a ver. Na devolução das peças, a mulher da Trip disse que contou a história e eles ficaram lisonjeados com a história da tattoo. O Gustavo, inclusive, queria comprar o tal terno. Mas eram do meu acervo de locação, são peças que não tem valor comercial pra mim. Então, sem conversa!  

NSG: Pra quem quer entrar no ramo, quais conselhos você daria? Acha importante um brechó encontrar sua própria “personalidade”?

Camila: Não me considero uma empresária do ramo, apenas uma apaixonada pelo vintage, que tenta fazer com que não só as peças, mas o valor do antigo sobreviva. Quero retomar o valor do único, simples, não descartável, contribuindo para a diminuição da exploração de novos recursos através de peças cheias de história.

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Fernanda Miranda

Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato. Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.

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