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Arte pelos pelos

por Adolfo Caboclo, 3 de outubro de 2013
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Estava eu em um momento “chocho” rolando a minha timeline e então vi o post de uma moça. A postagem consistia em uma foto, um close, de uma vulva que logo adentrei (no link da imagem, claro), e em uma página de Tumblr vi um discurso aberto, despudorado e humanista, com as seguintes palavras: “Ensaio político-poético, composto de imagens, que se propõe a causar reflexão sobre a naturalidade dos pelos em nossos corpos. É necessário pensar por que são geradores de tanto asco e por que nos mutilamos frequentemente para nos livrarmos deles. Compreendemos que vivemos em uma sociedade permeada por um machismo corrosivo nas nossas relações e comportamentos, que define opressão cruel às mulheres, e buscamos combatê-lo.

Em um primeiro momento fiquei surpreso com a reflexão. Sim, nasci em um berço machista, assim como a maioria dos homens que conheço, e talvez por isso nunca tivesse visto a depilação como algo ditatorial.

Essas palavras foram assinadas pelo coletivo “Além” e logo abaixo do discurso contemplei imagens de pessoas desnudas e peludas. Parece que em tempos de “mais corpo e menos neurose“, ganham foco os pelos mutilados por pré-conceitos tão persistentes.

Após prestigiar o ensaio entrei em contato com o coletivo, impulsionado pela curiosidade “pelos” de trás das câmeras e, três dias depois, fui tomar um espresso machiatto com o Mateus e a Nubia, formadores do coletivo.

Mateus é um jovem de semblante pensativo, barba enorme e bigodes de Dalí, enquanto Nubia é meiga, clara e parecia observar cada movimento da cafeteria em que estávamos. Juntos esparramaram pela mesa reflexão sobre reflexão e foi justamente por possuírem tamanha química que em menos de 1 ano de amizade já formaram o Além.

Pouco depois de contarem suas trajetórias – uma publicitária e um fonoaudiólogo que foram “abduzidos” pelo mundo da fotografia – perguntei se eles quiseram fazer uma obra contra o machismo e por isso resolveram usar os pelos para se expressarem ou o ensaio nasceu dos pelos, que por sinal combate o machismo: “O caminho começa nos pelos. Tudo que a gente produz tem um pouco da nossa experimentação da vida. A gente começou a pensar nas fotos dos pelos por causa do nosso amigo que foi fotografado”, disse Mateus, que se referia à sequência da foto abaixo.

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“Se a gente fosse falar de pelos por si só seria muito raso, então a gente coloca uma série de coisas”, explicou Mateus. Engraçado que enquanto ele falava, a Nubia fazia comentários absolutamente pertinentes e, como um verdadeiro coletivo, eles formavam um bloco ideológico. Todos da mesa concordaram que o nu ganhou ainda mais força no cenário fotográfico atual e como Mateus pontuou, “é muito difícil ver nus que sejam desvinculados da sexualidade”.

O Pelos Pelos é um projeto que, apesar de ter apenas pouco mais de duas semanas na internet, cresceu muito rápido. A dupla me contou sobre o número enorme de pessoas que passam por lá e o número de pessoas que se oferecem para serem fotografadas, inclusive o ensaio está sendo usado como referência em um TCC.

Nubia e Mateus, do Coletivo Além

Nubia e Mateus, do Coletivo Além

“Os ensaios são reais, não tem ninguém que a gente chega e fala “deixa o pelo crescer'”, comentou Mateus. O que é um dado importantíssimo, pois faz o ensaio que já é forte, ficar ainda mais visceral. “Então eles [os fotografados] também são afetados por todas essas questões”, concluiu. Sem contar que entre os muitos e-mails que o coletivo recebe, existem os de pessoas que relatam que resolveram parar de se depilarem depois de verem o ensaio, afinal de contas, qual o real motivo das pessoas quererem se depilar?

“Não é que a gente é contra o Gilete, mas é que a gente acha que as pessoas tem que ter liberdade de escolher se vão se depilar ou não”, comentou Nubia. De fato, o machismo da nossa sociedade faz com que um homem tenha esse poder de escolha – se quer ser peludo ou não – já a mulher…

Quando eu saí um pouco do assunto e perguntei o motivo do nome do coletivo, a Nubia confidenciou que ela já quis, inclusive, ter um filho com o nome Além. Nesse momento questões filosóficas rodearam a mesa. “Ele [o nome Além], tem e não tem como ser explicado. Ao mesmo tempo que ele se justifica por si próprio, ele é muito vasto. É um lugar inatingível, ele é tudo aquilo que não é”, disse a fotógrafa.

“Quando me perguntam o que é que tu faz? Eu respondo: Eu olho”. disse Nubia sobre o que a faz fotografar. “Pra mim fotografar é aprender a olhar”, completou Mateus em resposta sobre a energia motora desse coletivo que personifica até mesmo o Além, enaltece o corpo quase que de forma atropocentrista e que depois desse papo convenceu este blogueiro que vos fala a passar pelo menos alguns meses sem fazer a barba. Obrigado, Além.

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Fotos por: Coletivo Além

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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