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Daniel Daibem do rock ao jazz

por Adolfo Caboclo, 11 de setembro de 2013
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O rush da paulicéia me sufocava e um senhor de rosto expressivo pisava no meu pé enquanto eu chacoalhava no ônibus lotado. Na minha mente burburavam apenas duas coisas: Que eu estava atrasado para o meu papo com o músico Daniel Daibem e o quão seria desafiador entrevistar um músico.

Ao descer do ônibus me lembrei de uma aula de propaganda, que tive na escola da Vila Mariana, onde foi discutido o quão fácil é um publicitário passar vergonha em um papo sobre algum assunto que não é de seu domínio, no melhor estilo “Brainstorm” do Porta dos Fundos. Inclusive, no final dessa aula foi concluído que poucas coisas são tão medonhas quanto um marqueteiro conversando justamente com um músico. Mas aquela não era hora de me acanhar, eu já estava na frente do Madeleine Jazz Bar, na Rua Aspicuelta, onde o Daniel me esperava.

O Madeleine é um lugar charmoso, com paredes rústicas e velas sobre as mesas. Lá Daibem bebia um chope loiro, com dois dedos de colarinho. Se trata de um homem delgado, com pouco mais de 1,90m, que usava um terno alinhado e sapatos impecáveis. Então ele sorriu e disse, “e aí Adolfo?!”. Se por um lado a sua estética era uma novidade aos meus olhos, por outro, sua voz era absolutamente familiar aos meus tímpanos.

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A voz de Daniel me acompanhou durante alguns anos, todos os dias, enquanto eu ia de carro para a escola da Vila Mariana. Ele tinha um programa na Rádio Eldorado, o Sala dos Professores, onde propunha ao seu público um delicioso aprendizado com alguns dos grandes mestres da música e principalmente do jazz.

Tem um antigo ditado que diz que “quando o discípulo está preparado, o mestre aparece”. Legitimando essa premissa o Daniel me contou um pouco sobre os norteadores que o fizeram encontrar suas principais referências. “Tudo veio por conta do rock. Qualquer garoto percorre o caminho contrário, em busca da origem, pelo interesse, então se um cara começou ouvindo System of a Down e for percorrendo o caminho contrário, aí ele vai ouvir AC/DC, depois Jimmy Hendrix, depois Muddy Waters. Ele vai voltando no tempo, vai mergulhando e vai cair lá no jazz”, refletiu Daibem e completou, “o meu caminho foi voltando a partir do AC/DC, que é uma banda que todo mundo acha que é heavy metal, mas é blues rock, na verdade”.

Nesse embalo, Daniel começou a voltar no tempo e contou histórias dos seus tempos de criança: “Minha mãe me deu um violão, com a esperança de me ver tocar na igreja, 9 da manhã, lá em Bauru, mas não rolou né! A hora que eu aprendi o “lá” menor, o “dó” menor e o “sol” maior, aí já tinha o Ultraje a Rigor, o Paralamas, e eu já tinha 12 anos”. Posteriormente, o rumo natural da vida fez Daibem querer vir para a terra da garoa. Fazer faculdade foi a desculpa perfeita para sua família e o curso de Rádio, TV e Cinema foi o seu passaporte para a vida em Sampa.

Certa vez, uma namoradinha de adolescência falou, “Dani, você é roqueiro, você tem que ouvir a 89, a rádio rock”. Essa foi a primeira vez que o Daniel escutou sobre a rádio que posteriormente faria uma carreira de estagiário até radialista. Depois ele contou que foi parar na Brasil 2000 e lá, além da programação normal, apresentava um programa de blues chamado Estação 107, “aí eu entrei na Groove [escola de música], que é onde eu fiquei 8 anos estudando. Já estava pirando no soul e no jazz, e aí de vez eu mergulhei. Nesses anos eu estava na Brasil 2000 e o meu repertório começou a mudar. Então escutei a Eldorado e falei: olha que legal, essa rádio toca Ray Charles, toca Caetano e toca Beck”. Acabou que ele ficou na Rádio Eldorado por 11 anos.

“Então eu comecei a falar no ar as coisas que eu aprendia na Groove”, aos poucos foi batendo no locutor uma vontade de colocar no ar suas músicas prediletas, e ele teve sua oportunidade em um programa diário de 20 minutos onde fez uma lista com os nomes de quem ele queria ver tocar, “achei essa lista esses dias, escrito com caneta, estava em ordem alfabética”. Enquanto ele me relatava a história, chegou uma pizza, e como um verdadeiro gentleman, Daniel me ofereceu um pedaço. Aceitei. Foi bacana escutar a história do surgimento do programa de rádio que eu escutava diariamente, ainda mais comendo uma fatia de pizza com o próprio criador.

Nesse momento estávamos do lado de fora do Madaleine, era uma típica noite fria paulistana, não me agradava a ideia de imaginar que meu entrevistado passava frio então, ao acabar a pizza, eu pedi licença para o Daniel e me retirei. Naquela noite ele iria tocar na casa – Daibem é integrante da banda Hammond Grooves. Claro que ele tinha que participar de uma banda, estamos falando de um cara que exala música. Ou melhor, como ele mesmo disse no final do nosso papo, sobre a música: “eu não sei o que ela é, porque eu não sei o que é ser sem ela”.

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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