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Um homem que mostra o mundo

por Fernanda Miranda, 7 de fevereiro de 2013
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Não sei se “a primeira impressão é a que fica”, mas se isso for verdade para alguém, o Silvino tem grande vantagem – é uma pessoa muito fácil de gostar. A primeira vez que o vi – logo, minha primeira impressão – foi virtualmente através de um vídeo no seu site Canal Londres, onde ele mostrava uma viagem que tinha feito de trem pela Escócia . No primeiro minuto ouvindo seu melodioso sotaque calmo de Pernambuco já pensei: “eta cara gente boa”. O seu Canal Londres – um site muito interessante com vídeos sobre lugares no velho mundo e com ótimas entrevistas com brasileiros que vem se aventurar ou moram por aqui -, tem sido um grande guia para mim desde que cheguei na Europa. Muito mais do que um guia com roteiros, o site proporciona a possibilidade de viajarmos através de seus vídeos, como ele próprio explica, trazendo para a palavra “viagem” um significado muito mais amplo. E graças ao site tivemos acesso ao Silvino, que desde sempre foi muito simpático e atencioso.

No dia em que fomos entrevistá-lo, não poderíamos encontrá-lo de maneira diferente: ele estava sentado em um bar perto do rio Tâmisa, com um pint na mão e um sorriso repousando no rosto. Caaaalmo. Entrevistar o Silvino foi uma oportunidade de ouvir belas histórias, se inspirar em uma pessoa que aprendeu a conviver com a saudade e que sempre teve a coragem de começar tudo de novo.

Susan Ferreira
Meu primeiro movimento ao encontra-lo foi pedir um chope para acompanha-lo, e só assim me senti preparada para perguntar sobre sua história. Foi aí que começamos a entender um pouco sobre o homem atrás do site.

“Eu sou baiano criado em Recife. Já morei em doze cidades diferentes, eu vivia me mudando. Em São Paulo, por exemplo, morei dez anos. Morei em Goiás, em Portugal, já morei aqui [em Londres] antes para aprender inglês.

Eu trabalhei muitos anos com publicidade, e depois de um tempo fiquei cansado. Desde o primeiro dia que trabalhei com isso já sonhava em sair. (Risos) Era muito cansativo. Eu e meus amigos, por exemplo, alugávamos casa na praia, aí chegava no final do mês a conta pra pagar, e eu não tinha ido nenhuma vez para a praia no final de semana, porque tinha que ficar trabalhando. Aí eu pensei: “Quer saber de uma coisa? Se eu ficar preso nesse negócio de grana não vou sair nunca.” Aí vendi uns terrenos que eu tinha e decidi passar uma temporada em Londres. Isso foi no final de 2005, começo de 2006. Foi assim que eu conheci a Susan, minha esposa, e em 2007 a gente já casou. E eu estou aqui em Londres até hoje.”

NSG: Como surgiu a idéia do site?

Quando eu casei com a Susan eu pensei: “E agora, vou trabalhar com o que?” Sabia que publicidade eu não queria. Fiz alguns bicos, me aventurei até vendendo feijoada. E aí, em 2008, veio a idéia do site. Na verdade eu e a Susan pensamos primeiro em fazer um documentário sobre brasileiros que vivem em Londres. Ficamos conversando, amadurecendo a idéia… A Susan falou que podia me ensinar a mexer na câmera, a editar vídeos, aí pensamos em um site ao invés do documentário. A Susan, que trabalha na área, fez o site para mim. Aí começamos. Gravamos piloto, ela começou a desenhar o site, conversei com meus amigos para ouvir sugestões… isso já era outubro. Aí quando foi em abril de 2009 inauguramos o site, com nove vídeos. Tínhamos ido para Itália no final do ano, aí gravei vídeo em Veneza, Milão e com mais alguns outros vídeos lançamos o site. Eu faço o corte do áudio, gravo e ela seleciona as músicas e edita. E aos poucos fomos acertando… Além dela também temos outros três colaboradores.

NSG: No seu site você cita que o Nelson Rodrigues disse que não saíra do Brasil porque todos os amigos dele que foram para o exterior voltaram diferentes, e ele não queria correr o risco de mudar. Depois de morar em doze cidades diferentes e fazer tantos vídeos, mudou muita coisa?

Eu posso dizer que aprendi muito. Para mim, o que tem de mais interessante no Canal Londres, além de registrar histórias, é que acabo conhecendo lugares e pessoas pela Europa que não conheceria se não tivesse entrevistado tanta gente. Alguns desses entrevistados acabaram virando bons amigos. Conheci muitas pessoas e acabei quebrando muitos preconceitos. Mas a minha mudança já vem desde a primeira vez que morei fora, quando vim aqui estudar um ano. E a verdade é que desde pequeno eu gosto de viajar, pois sempre gostei muito de estudar história. E como meu pai é pastor, a gente viajava muito. Nasci em Ipirá, na Bahia, mas morei em Recife, Salvador, Maceió e até no sul, em Santa Catarina.

NSG: Então você tem um sangue cigano?

Eu aprendi a não me apegar tanto, a não sofrer quando me separo, porque desde pequeno já me separo dos meus amigos. Eu sei o que é a perda desde criança, e aqui em Londres eu tenha ficado porque, talvez, eu tenha finalmente encontrado todas as cidades em uma só. Todo mundo está aqui, tem gente de tudo quanto é lugar, então Londres não é uma cidade, são muitas. E hoje eu acho que poderia morrer aqui, eu perdi esse ímpeto de estar mudando sempre. E também porque aqui tem a mulher que amo (risos).

NSG: Qual a principal diferença da Londres da década de 90 para a Londres de agora?

A grande diferença que eu vejo é a presença de brasileiros. Antes se falava em 15, 20 mil brasileiros em Londres, hoje se fala em 200 mil. Eu sempre falo para os brasileiros para não caírem na besteira de falar uma bobagem na rua achando que ninguém vai entender. Uma vez estava no ônibus, e só tinha eu e mais uma menina dentro. Ela estava no celular, contando a uma amiga em português  porque que ela tinha resolvido transar com um cara. Se ela imaginasse que eu estava entendendo tudo o que ela estava falando, ela teria saído pelo ônibus pela janela. (Risos)

Também vejo uma outra grande diferença: tem muita, mas muita gente andando de bicicleta. Você vê muito mais bicicleta na rua.

NSG: Você acha que se encontrou nesse seu trabalho? Está satisfeito?

Não vejo uma mudança para agora, estou felicíssimo. Mas eu não vejo nada como definitivo não. Se eu precisar mudar e sentir que preciso de um novo desafio, eu vou mudar. Eu gosto de mudanças.

Mas de tudo na minha vida, o que mais amo é poesia. Gosto de escrever poesia. Tenho uma ligação muito forte com a palavra através da poesia. E essa é a coisa mais constante na minha vida, de tudo que mudou, a poesia é o que sempre ficou. Talvez na minha velhice eu me dedique só a isso. (veja aqui a sua poesia “Processador de Palavras”, que ganhou prêmio no Fliporto de 2007.)

Foto de capa: Moema Luna

Fernanda Miranda

Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato. Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.

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