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Poliamor, por favor

por Marina Ribeiro, 30 de agosto de 2013
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Maria*, 21, conheceu Pedro*, um europeu de férias no Brasil, e com ele teve um relacionamento apaixonado e relâmpago. Depois de intensos 15 dias juntos, Pedro voltou à Europa e Maria seguia a vida normalmente, quando se viu ficando com Daniel*, um grande amigo. Pela internet, Maria dividia com Pedro as aventuras que vivia com Daniel. Os três se gostavam muito, e Pedro e Daniel conversavam sobre Maria sem ciúmes, até que Daniel se mudou para outra cidade. Distantes, os três mantinham o relacionamento na base do Skype – onde conversavam, brigavam, bebiam e dançavam – e, quando finalmente reunidos, se amavam.

Não é a narrativa de um filme de Woody Allen, mas uma história real de quem resolveu mergulhar em um relacionamento não convencional e livre de preconceitos: o poliamor – ou vários amores. Uma opção de vida que aceita, no seio das relações afetivas, o amor por mais de uma pessoa simultaneamente, sem que esses sentimentos se anulem ou se neguem. Essa forma de se relacionar ainda sofre muito preconceito na sociedade fortemente monogâmica em que vivemos, mas, ao contrário do que muita gente pensa, não tem nada a ver com promiscuidade. Há um consentimento entre os envolvidos e uma maneira bastante ética e respeitosa de se conviver.

O documentário Poliamor, de José Agripino, consegue jogar luz sobre o tema de maneira honesta, sem fantasias ou firulas. Em 2007, José leu uma matéria que tratava do assunto. Em 2009, quando teve que propor um projeto de documentário na faculdade, retomou a questão, encontrando nos depoimentos anônimos de uma comunidade no Orkut – Poliamor Brasil – a inspiração que faltava para decidir contar essas histórias.  No filme, diferentes personagens compartilham as dores, as delícias e os tratos que mais se encaixaram em seus moldes afetivos. “Acho que a primeira ideia mais forte do poliamor é o conceito da liberdade no relacionamento”, comenta Agripino, “as exibições do filme me fizeram refletir muito sobre o tema”.

Certamente, heranças religiosas e patriarcais profundas dificultam o processo de aceitação – seja de amigos, parentes ou estranhos. “Éramos discretos em relação à nossa vida privada, porque sempre havia comentários desagradáveis, piadinhas bestas, e quando isso chegava aos ouvidos de nossos familiares era bem chato e complicado”, explica Maria, “poliamor, amor livre são formatos de relacionamento tão naturais, interessantes e difíceis quanto a monogamia e sofrem muito preconceito”, encerra. Agripino reforça: “Em uma sessão [do documentário] em 2010, um senhor saiu gritando ‘promíscuo, imoral’ num festival de cinema. Nesse dia fiquei muito surpreso e pude perceber que o assunto incomoda muito. Ainda mais dentro da sociedade machista que vivemos”.

Tiago*, 33, viveu um relacionamento aberto durante 4 anos e hoje tenta negociar um relacionamento poliamoroso com duas paixões. Para ele, a cada dia é mais difícil pensar em uma forma de relacionamento que não passe por esse caminho: “Hoje, dentro de uma comunidade do Poliamor, eu encontrei uma nova família. Pessoas que já pensam ‘fora da caixinha’ como eu e estão dispostas a quebrar alguns conceitos e preconceitos”, revela, “em todo caso, no momento prefiro defender somente a nossa bandeira. Não estamos aqui para um oba oba, para a sacanagem, para a ‘promiscuidade’, como pintam por aí. Nós acreditamos plenamente que é possível amar e desenvolver sentimentos sinceros por mais de uma pessoa ao mesmo tempo”.

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Comunidades como a citada por Tiago existem em todo o país, a exemplo da Pratique Poliamor RJ, e realizam encontros, conversas e debates de maneira presencial e virtual, militando e se apoiando mutuamente. O bom é que, cada vez mais, pessoas têm buscado informação sobre o assunto, sendo as conversas sobre o tema mais comuns e esclarecidas. “Acompanhar o que as pessoas acharam do filme em festivais e na internet me ensinou muito sobre como as pessoas estão olhando o poliamor. Na grande maioria as reações são bem positivas”, afirma Agripino. Para Tiago, ver as relações livres, abertas e poliamorosas validadas pela sociedade ainda é um “sonho em longo prazo”, mas o caminho vem sendo traçado.

Enquanto você lê esse texto, no mundo todo, pessoas tateiam, se jogam e experimentam em busca dos relacionamentos que melhor funcionam para elas, seguindo muito menos a convenção social e muito mais seus sentimentos, seus desejos e suas crenças. Assim como os casais monogâmicos, essas pessoas enfrentam dificuldades de convivência, ciúmes, estabelecem normas e vivem discussões de relacionamento, mas prezam a honestidade. Não é engraçado que quem torce o nariz para relacionamentos poliamorosos seja infiel em seus relacionamentos monogâmicos? A se pensar.

A ideia aqui me parece – não convencer ninguém de que o poliamor é o “correto” a se viver – a de que a felicidade afetiva deve ser perseguida com menos amarras e mais confiança, menos medo e mais afeto, da maneira que melhor funcionar para quem quer que seja, respeitando e aceitando as singularidades. “Trocávamos experiências, músicas, receitas, nossas impressões pessoais da vida, fotografias. Tínhamos uma vida cultural agitada, e estávamos sempre entrando em acordos e em desacordos, como bons amigos e amantes. Foi uma das experiências mais ricas da minha vida”, conta Maria, que voltou a ser monogâmica, mas me confidenciou que viveria tudo de novo. Ou seja: menos regras, mais amor, por favor.

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Fotos feitas especialmente para esta matéria por Duane Carvalho.

Marina Ribeiro

Marina Ribeiro é jornalista e atriz em formação. Ama o teatro e acredita na comunicação em suas mais diversas manifestações – a moda é uma das favoritas. Soteropolitana, morou em São Paulo durante 4 anos e agora respira ares cariocas. No Instagram, ela é @marinaribei.

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