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A revolução será orkutizada

por Adolfo Caboclo, 24 de março de 2014
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Nos meus tempos de adolescência era comum eu perder os cabelos em discussões políticas e até mesmo ostentar bandeiras de partidos, nomes de candidatos e também governantes em minhas páginas de redes sociais. Porém, após eu tirar meu título de eleitor, com 16 anos de idade, não demorou nem três eleições para eu me acalmar através do desapontamento político e começar a me interessar muito mais por outras formas de transformação. Tanto que aconteceu comigo o efeito inverso: por muitas vezes até errei o tom em discussões por não entender o fervor das pessoas em defesa de algumas crenças políticas no meio de discussões em mesas de bar e Facebook.

Ainda hoje, por muitas vezes, acho que as pessoas supervalorizam suas opiniões em redes sociais. Principalmente quando a questão é política, e por isso compartilhei na minha timeline, assim que vi, a seguinte imagem:

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Não compartilhei apenas pelo teor ou por ideologia da mensagem. Compartilhei por realmente sentir falta de uma “pegada mais leve” sobre esses assuntos. Essa imagem veio da comunidade do Facebook “A Revolução será Orkutizada“, que carrega em sua descrição a seguinte frase: “Vamo fazer uma revolução. Dar uma tumultuada, tirar foto, dar uns beijo”. Nossa! Quantas discussões e interpretações isso pode gerar?

Continuei a ver os posts seguintes dessa comunidade, o que aumentou ainda mais minha ânsia em convidar seus criadores para baterem um papo com o NSG. Para a minha surpresa, tantos posts são obra de uma única pessoa, o historiador André Godinho, que não criou apenas “A revolução será Orkutizada”, mas também as comunidades “Agrega valor ao camarote” e “Manifestante dá depressão“.

Acabei batendo um papo com o André nessa última sexta-feira, em um bar com mesas na calçada, bebendo uma cerveja “litrão”. De cara, entendi um pouco das raízes revolucionárias de André, um estudante da USP que antes de cursar o doutorado que faz hoje, já foi integrante do movimento punk e teve fanzine, ou melhor, “Lixozine”, como se chamava o seu impresso.

“Eu era envolvido no punk e lá tinha uma cultura de ‘zines’ muito séria, que era militante, geralmente anarquista ou voltada para a contracultura. Essa fanzine [a Lixozine] foi feita por mim e por alguns amigos. A gente fez poucos números impressos e depois fomos pro blog, que durou até 2006. O blog era principalmente zoeira com o próprio movimento punk, de tiração de sarro com política. Também participei de uma chapa de esquerda humorística no centro acadêmico lá no departamento de história da USP. A ideia era justamente não levar a esquerda tão a sério. Fazer uma crítica para a própria noção representativa do centro acadêmico, ver outras formas de organizações mais horizontais, mais apartidárias e o humor foi usado ali como uma forma de fazer crítica política”, explicou André, que desde o primeiro instante deixou bem claro que suas comunidades podem até ser bem leves e engraçadas, mas que o teor de sua mensagem e luta é algo que ele realmente acredita e “compra a briga”.

Ele também explicou sua origem como gestor de páginas. “O que aconteceu com o Facebook foi o seguinte: nas manifestações de junho eu comecei a publicar memes na minha página pessoal. Eu criei aquela da Bastilha (na imagem abaixo), o do muro de Berlim e outros mais. Só que começou a ter 15 mil compartilhamentos na minha página pessoal, mil pessoas me adicionaram na minha página. Então, pra minha vida pessoal não virar bagunça, eu criei o Manifestante dá Depressão, que foi a minha primeira comunidade”.
Manifestante dá depressão

“Aí passou um tempo, essa página já estava com poucas postagens e surgiu aquele vídeo da Veja São Paulo, do Rei do Camarote. O cara estava pedindo para ser zoado. A comunidade foi um fenômeno ainda maior. Em três ou quatro dias foram 175 mil pessoas curtindo, e hoje tem duzentos e vinte e poucos mil seguidores. É a minha maior página, mas também a menos diretamente política. Ela teve algumas coisas voltadas pra política, mas predominantemente é uma zoeira voltada pro personagem mesmo”. Ele também comentou que já lhe ofereceram boas verbas de marketing pra fazer propaganda nesta página, mas que ele não aceitou, pois não quis ter problemas legais com o uso da imagem do rei. Este, como podemos ver print screen abaixo, nunca foi um grande fã da comunidade.

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Depois de falarmos sobre o “Rei”, finalmente nos aprofundamos sobre a página que me fez entrevistar o André. “A Revolução será Orkutizada veio de uma conversa pelo Facebook. O primeiro assunto da página foram vários posts sobre o rolêzinho, e depois os assuntos foram se ampliando. A concepção da página vai para uma crítica para determinada esquerda que idealiza a própria população. Que acredita em uma ‘verdadeira cultura popular’, numa ‘verdadeira cultura das massas’ e não crê naquilo que a própria experiência das pessoas constrói. Não se pode idealizar a cultura popular, a cultura popular vem da própria experiência das pessoas, que são diversas, que são contraditórias. Querem adotar um padrão clássico de cultura, uma noção que é europeia, que é imperialista de cultura, e querem acreditar que as classes populares devem ser adaptadas para essa cultura. Que elas devem ser iluminadas por essa cultura, ao invés de construir com aquilo que é da própria experiência das pessoas. Tudo tem que ser orkutizado, inclusive a revolução. Porque é isso mesmo, revolução é um paradigma europeu”.

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Conversando com André Godinho entendi que eu não tinha contextualizado a profundidade crítica da página que estava seguindo. Estamos falando da obra de um cara que “levanta essa bandeira” e debate sobre o tema já faz anos. Tanto que o nosso papo, nesse instante, saiu do mundo virtual e virou um momento interessantíssimo no qual escutei algumas crenças políticas de André.

“Ao invés de dialogarem [qualquer movimento ou partido político] com os Black Blocs, as pessoas simplesmente os demonizaram. Ninguém buscou conversar. E as pessoas têm uma concepção política na qual acreditam que tudo que é desorganizado é ruim. Ao invés de tentarem organizar movimentos como este no sentido autônomo, as pessoas partem do pressuposto de que se determinado movimento não for de acordo com as direções tomadas por elas, logo este movimento é uma barbárie, uma bagunça. O que as pessoas não conseguem dirigir, elas simplesmente vão lá e detonam. Não quero que as pessoas pensem que eu sou contra a esquerda, pelo contrário, eu sou um deles. Eu acho importante deixar isso claro. Isso tudo tem a ver com uma posição muito clara que é a violência. Como historiador, esse é meu tema de pesquisa. Meu estudo na história é a tentativa de entender o uso histórico da violência — institucionalizada ou não. Então, esse tipo de discussão entre ‘bandido e polícia’ está sempre no meio”.

Enquanto eu escutava essas palavras, também pensava que nada era por acaso. Um cara que emplaca três comunidades que, juntas, somam centenas de milhares de seguidores, tem que ter no mínimo uma linha de raciocínio bem definida e sustentada e, de certa forma, saber usar muito bem um meio de comunicação, no caso a internet. Não deu outra, André logo terminou seu raciocínio. “Também é interessante falar sobre o papel importante que a internet tem em termos de mobilização política. Acho que são opostos que são absolutamente falsos: você achar que a internet é causa de alguma mobilização, a razão de o mundo estar em crise, de estar havendo algumas mobilizações. E ao mesmo tempo achar que a internet é um mero acessório. Eu vejo a internet muito mais como instrumento do que qualquer outra coisa. Eu acho que podemos comparar o papel dela como quando surgiu a imprensa, que quando surgiu foi revolucionária e depois deixou de ser. O espaço midiático na internet tem que ser tomado de todas as maneiras, e o humor é uma maneira”.

E foi assim que o meu papo que inicialmente era pra entender como surgiu uma página de humor se tornou uma pequena aula. Também entendi que zoar é legal, mas que a zoeira ganha muito mais sentido quando “se sustenta” de alguma forma. Até porque, como está escrito na descrição do Manifestante dá Depressão: “Não se vence a manipulação midiática e o conservadorismo das classes dominantes sem antes rir da cara deles”. 

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Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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