Antes do amor acabar
mais uma taça
vinho tinto de sangue
dilacerado peito
antes do sangue acabar
mais um cálice
tanto tempo guardado
desempoeirado cristal
límpida gotícula
brilha brilha brilha
mais um desconcertante
acerto de contas
passadas
tanta coisa guardada
apuros sentimentais
quanto apego
quanta matéria
de amor não tem nada
é duro sofrer de amor
mais uma lata
vamos falar de
nós dois
em meio ao mundo
quem somos o que viemos
fazer aqui
olha só
o meu glamour
molha o pó
dessa taça
olha em meus olhos
há amor há
apego
como dói
me desconstrói eu vou
fazer um curso um retiro
zen
meu bem eu sei não há
mais nada entre nós há
tudo
havia amor
houve amor
ouve me escuta
quantas águas rolaram
desses olhos que a terra
há de comer me come
a última vez me dá
o que há muito não há
me ouve
se algum dia ainda
lembrar de mim não esquece
que havia um mundo
entre nós
pra esse mundaréu eu
voltarei com a nítida
impressão de que havia
salvação mas é preciso
desapegar
quero o meu último
gole o último
beijo nessa lata prestes
a vencer como está
enferrujada
se houve amor
me ouve amor
não há mais nada
entre nós
que não possamos
desatar
relembrar
como cinza
da chama que ardia
havia
amor
me ouve como dói
o peito
o seio que tinha
em mãos meu chão
erás tu
meu mundo
hoje não há
mais em que
me apoiar tá me ouvindo?
seu cheiro
no ar
vou fazer uma
limpeza pesada
na casa que já
foi tão sua
sua aura
me cura
amor revira as gavetas retira
tudo que é teu
do que é meu
tudo era
tão nosso
não posso
crer
não posso ser
mais tua me come
com os olhos desvira
minha vida desintoxica
minhas vestes vou mudar
o visual quero outra
cidade outras ruas onde você
não esteja mais nas esquinas
bebendo meu sangue nas taças
nas latas de alumínio
oxidado
me explica como é
que faz para ser feliz
de novo
tudo ficou tão velho
de repente tudo passou
num piscar de olhos
minh’alma era
tão clara hoje
turva por dentro não há
mais sentimento não há mais
explicação

Acervo Adolpho Leiner

Geométrico II (Samson Flexor, 1952)

Flávio Lobo

@flavioalobo

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